Cães que há pelo menos um ano estavam com as patas traseiras paralisadas recuperaram parte dos movimentos depois que tiveram células-tronco transplantadas diretamente para suas medulas espinhais
Até pouco tempo atrás, Jasper não conseguia mover as patas traseiras devido a uma lesão na medula espinhal. Ele conseguiu recuperar os movimentos após o transplante (May e Peter Hay/VEJA)
Para a professora Mayana Zatz, do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do site de VEJA, a pesquisa traz resultados otimistas, mas é preciso cautela porque, como os próprios autores do estudo reconhecem, as novas conexões nervosas só tiveram alcance em regiões próximas do traumatismo na medula espinhal. “A pesquisa mostra um caminho, mas é preciso cautela.”
Opinião das especialistas
Mayana Zatz
Geneticista do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do site de VEJA.
Temos que ter um otimismo cauteloso. O estudo é positivo porque os pesquisadores analisaram uma população heterogênea e que havia sido lesionada há pelo menos um ano, algo que não aconteceu com os outros experimentos em laboratório.
Como resultado, houve a melhora da coordenação entre as patas traseiras e as dianteiras e aparentemente também na sensibilidade das ligações de curta distância na medula.
No entanto, é preciso enfatizar que os próprios autores reconheceram que essa técnica, por si só, não poderá ser considerada como único tratamento em humanos. Eles viram que as novas conexões nervosas só tiveram alcance em regiões próximas da lesão na medula espinhal. Por isso, não foram observadas melhoras em funções que são consideradas pelos pacientes como mais críticas do que a própria recuperação da mobilidade, como funções sexuais e problemas de incontinência urinária.
Também toda dinâmica de equilíbrio e mobilidades em cachorros é diferente, o que sugere que os resultados em humanos podem não ser os mesmos.
A pesquisa mostra um caminho, mas é preciso cautela.
Lygia da Veiga Pereira
Professora Titular e Chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE) da Universidade de São Paulo – Instituto de Biociências.
O artigo científico original onde o estudo é relatado foi acompanhado de um editorial da revista comentando o trabalho que, para minha surpresa, citava várias limitações da pesquisa, incluindo a falta de informações precisas sobre o estado clínico dos animais envolvidos no estudo e sobre a população de células injetadas.
Segundo o artigo, trinta cachorros participaram da pesquisa — todos eram animais de estimação com lesão de medula espinhal de graus variáveis. Vinte foram tratados com as células retiradas do próprio bulbo olfativo, e dez receberam injeção de placebo. Só para esclarecer, as células do bulbo olfativo são células do sistema nervoso, que ajudam neurônios olfativos a se estender até o sistema nervoso central, transmitindo a informação de odores. A ideia é que elas possam também ajudar os neurônios lesionados da medula a se regenerarem, e muitos grupos trabalham nisso já há alguns anos, mas com resultados ainda limitados.
Pois bem, comparando os animais tratados com aqueles que receberam o placebo, os pesquisadores mostraram que havia uma melhora significativa da coordenação entre patas traseiras e dianteiras naqueles que receberam as células. Porém, quando mediram outros parâmetros como controle da bexiga, estabilidade lateral e transmissão de impulsos elétricos entre o cérebro e as patas, não houve diferença estatística significativa entre os animais que receberam as células e os que receberam o placebo.
Ou seja, na melhor das hipóteses, o tratamento com as células olfativas só melhorou o único parâmetro irrelevante para nós humanos que andamos só com as “patas” traseiras — não precisamos coordená-las com as dianteiras. No mais, nem o controle da bexiga aumentou, o que já seria uma grande melhora da qualidade de vida dos lesionados.