Crianças com desordens do espectro autista participam de sessão especial em cinema do Rio: problemas na interação social, comunição e comportamentos repetitivos são típicos destes distúrbios
Crianças com desordens do espectro autista participam de sessão especial em cinema do Rio: problemas na interação social, comunição e comportamentos repetitivos são típicos destes distúrbios Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

Cesar Baima – O Globo

RIO – Caracterizadas por uma ampla gama de dificuldades nas relações sociais, comunicação e comportamentos repetitivos, as desordens do espectro autista afetam cerca de 1% da população mundial. Até agora, os cientistas já identificaram diversas mutações genéticas associadas a estes distúrbios, todas muito raras, numa heterogeneidade que também dificulta o desenvolvimento de tratamentos específicos.
 
Agora, porém, um grupo de pesquisadores liderado por Gaia Novarino, do Instituto de Tecnologia da Áustria, identificou um novo gene ligado ao autismo assim como o mecanismo pelo qual mutações nele causam o problema, destacando que é semelhante ao observado em alterações de outro gene associado a problemas neurológicos. Com isso, os cientistas acreditam não só terem descoberto um novo subgrupo de desordens do espectro autista como aberto caminho para um potencial tratamento de algumas de suas condições e sintomas.
 
A identificação de novos genes (ligados a um problema), especialmente em doenças heterogêneas como o autismo, é difícil – destaca Ahmet Okay Caglayan, chefe do Departamento de genética da Escola de Medicina da Universidade Bilim em Istambul, Turquia, e coautor do estudo. – Mas, graças a um esforço colaborativo, fomos capazes de identificar mutações em um gene chamado SLC7A5 em vários pacientes nascidos de casamentos consanguíneos (entre parentes) e diagnosticados com síndromes autistas.
 
De posse desta informação, os pesquisadores foram estudar como estas alterações no gene poderiam provocar os distúrbios autistas. Eles descobriram que o SLC7A5 é responsável pelo transporte de um certo tipo de aminoácidos, conhecidos como de cadeia ramificada (ACR) e usados pelas células para produzir proteínas, através da chamada barreira sangue-cérebro.
 
Diante disso, os cientistas partiram para experimentos com camundongos geneticamente alterados em que o SLC7A5 foi removido. Eles observaram que isto reduziu os níveis dos aminoácidos essenciais no cérebro, interferindo na síntese de proteínas pelos neurônios. E, como consequência, os animais passaram a exibir menor interação social e outras mudanças de comportamento também vistas em outros modelos de autismo em camundongos.
 
Por fim, os pesquisadores também notaram que o mecanismo com o qual a falta do SLC7A5 levou aos comportamentos autistas nos animais é parecido com o de outra alteração genética recém-descoberta por eles em diversos pacientes com distúrbios do espectro, problemas cognitivos e epilepsia. Conhecidas como mutações BCKDK, elas afetam o metabolismo dos mesmos aminoácidos de cadeia ramificada pelo corpo.
 
Claro que nem todos os genes ligados ao autismo afetam os níveis dos aminoácidos, e estas formas de autismo são indiscutivelmente raras, mas é possível que ainda mais genes associados às desordens do espectro caiam neste grupo – avalia Gaia.
 
Ainda usando os camundongos geneticamente modificados, os cientistas relatam também terem conseguido tratar algumas das anomalias provocadas pela falta do SLC7A5 e os sintomas autísticos associados. Após administrar diretamente os aminoácidos no cérebro dos animais, eles viram uma melhoria de seu comportamento. Este resultado contraria a noção geral atual de que as desordens do espectro autista são irreversíveis. Assim, embora a forma de tratamento dada aos camundongos não possa ser usada em humanos, eles demonstraram que algumas das complicações provocadas por este tipo específico de causa dos distúrbios autistas podem ser combatidas, sendo portanto possível fazer o mesmo com pacientes humanos no futuro.
 
Nossa pesquisa encontrou um potencial tratamento para alguns tipos de sintomas nestas formas de desordens do espectro autista nos camundongos, mas sua tradução em tratamentos para pacientes com desordens do espectro autista ainda vai precisar de muitos anos de pesquisas adicionais – conclui Dora Tarlungeanu, aluna de doutorado de Gaia no instituto austríaco e primeira autora do estudo.