Uma lesão na medula espinhal resulta em interrupção na comunicação entre o encéfalo e os órgãos e membros localizados abaixo da lesão. É bem conhecido o fato de que uma lesão medular resulta em imobilidade, o que leva pessoas acometidas por esse tipo de lesão depender comumente de uma cadeira de rodas.

Fato menos conhecido é que além de não ter sensibilidade e mobilidade dos membros, pessoas com lesão medular perdem também o funcionamento fisiológico de órgãos como bexiga e intestinos.

No caso da bexiga urinária, órgão muscular que tem a função de armazenar a urina produzida pelos rins e eliminá-la no momento oportuno, a partir de uma lesão medular, pode se comportar de maneiras distintas, de acordo com o nível da coluna espinhal em que a lesão ocorre.

Em lesões medulares mais altas, a bexiga apresenta hiperreflexia, um quadro em que ela se contrai para eliminação da urina, mesmo que o indivíduo não esteja em um momento propício para urinar, levando a um quadro de perda urinária frequente.

No caso citado além de todo o desconforto causado pela perda involuntária de urina, existe um risco constante de infecção urinária, pois a bexiga se contrai sem o relaxamento do esfíncter, músculo que permitiria o esvaziamento completo. Sendo assim, existe a perda urinária e um resíduo de urina não eliminado, este resíduo é propício para multiplicação bacteriana, que leva às infecções urinárias e coloca em risco o bom funcionamento dos rins.

Em lesões mais baixas, a bexiga se apresenta hiporreflexiva, ou seja, não contrai como deveria para gerar a eliminação urinária, há perda de urina por transbordamento, risco de infecção pela urina acumulada, risco de refluxo de urina para os rins e até a perda de sua função.

Nota-se, então, que a pessoa com lesão medular vive um drama relacionado à sua eliminação urinária, afastando-se do convívio social pela perda urinária e estando exposto a riscos que em casos mais graves podem levar até a morte por complicações renais.

O resíduo de urina, maior vilão no risco de complicações urinárias, pode ser removido de maneira simples e segura, pela própria pessoa com lesão medular, por meio de um procedimento mundialmente reconhecido, chamado cateterismo intermitente limpo (CIL).

O CIL consiste na introdução de um cateter de quatro a seis vezes ao dia na bexiga, através da uretra, para drenar a urina, sendo retirado logo em seguida à saída completa da urina.

Para sua introdução, basta que a pessoa lave bem as mãos, higienize a genitália e lubrifique o cateter com gel hidrossolúvel no caso dos cateteres convencionais ou utilize cateteres prontos para uso, que dispensam a necessidade de lubrificação, a fim de agilizar o procedimento e reduzir ao máximo qualquer risco relacionado como as infecções urinárias.

Toda pessoa com lesão medular deve procurar um profissional de saúde, de preferência que atuem nas áreas de urologia, disfunções miccionais, reabilitação ou estomaterapia, para receber as orientações necessárias para realização do procedimento, assim como os encaminhamentos necessários para a aquisição dos materiais para este fim.

Além da correta cateterização, o seguimento dos intervalos indicados e a ingestão de água (aproximadamente dois litros ao dia para adulto) são fatores fundamentais no combate as complicações da disfunção urinária presente na lesão medular.

No caso da bexiga hiperreflexiva, medicamentos que atuem no relaxamento da bexiga podem ser necessários, em associação ao cateterismo, para melhorar o quadro de perda urinária.

Gisela Assis, enfermeira estomaterapeuta do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, autora do “O Manual Ilustrado para Cateterismo Intermitente Limpo” – Projeto Vidas Secas – junto com o urologista Rogerio de Fraga.