Quando a terapia comportamental falha no controle da incontinência urinária de esforço (IUE), várias alternativas cirúrgicas seguras, com baixa morbidade e com índices de sucesso satisfatórios, ainda podem ser propostas. Entretanto, pacientes portadores de outros distúrbios miccionais, como retenção urinária funcional, dissinergia vesicoesfincteriana e bexiga hiperativa (BH) refratária,
possuem opções limitadas de tratamento quando a terapia comportamental e/ou medicamentosa falham.

Várias soluções cirúrgicas foram propostas para o tratamento da hiperatividade detrusora, tais como distensão vesical prolongada, cistólise transvaginal e injeção de fenol ou álcool no trígono vesical(1).
Embora publicadas inicialmente com resultados relativamente animadores, essas abordagens não foram consistentemente reproduzidas e acabaram caindo em desuso.
Até recentemente, no Brasil, pacientes com BH que não respondiam ao tratamento comportamental e/ou medicamentoso tinham poucas alternativas para manter uma qualidade de vida aceitável. Dentre elas, a toxina botulínica tipo-A injetada na parede vesical e a ampliação vesical com alça intestinal (associado ou não à derivação urinária). A injeção da toxina botulínica é um procedimento
relativamente simples, porém apresenta alto índice de retenção urinária, custo elevado e a necessidade de reaplicações em um intervalo médio de seis meses. A ampliação vesical é uma cirurgia de grande porte que envolve a ressecção de aproximadamente 40 cm de íleo terminal e relativamente apresenta maior índice de complicações a curto, médio e longo prazos. Devido à magnitude e complicações associadas, esse tipo de cirurgia muitas vezes não é aceito pelos pacientes e também pouco indicada pelos médicos, sendo realizada principalmente em casos com
risco de comprometimento do trato urinário superior.

Em alguns países, principalmente da Europa e da América do Norte, está disponível há mais de uma
década o neuromodulador sacral Interstim (Medtronic, Inc, Minneapolis, Minn).
Essa tecnologia permite que pacientes com BH e retenção urinária idiopática refratárias ao tratamento clínico possam ser submetidos a uma cirurgia minimamente invasiva com resultados bastante satisfatórios a curto e a longo prazos.

Em julho de 2005, o Interstim passou a ser disponibilizado em nosso meio o que permitirá uma expansão enorme no número de pacientes que poderão ser razoavelmente tratados após a falha da terapia comportamental e/ou farmacológica. Neste artigo, discutimos o uso do neuromodulador sacral INTERSTIM e descrevemos a técnica e os resultados precoces do primeiro implante realizado
com sucesso no Brasil.

O Interstim está atualmente aprovado nos Estados Unidos da América do Norte, Europa e vários outros países no mundo, incluindo o Brasil, para o tratamento de pacientes com polaciúria associada à urgência miccional, bexiga hiperativa refratária, retenção urinária idiopática e disfunções de esvaziamento vesical. A utilização do Interstim é o resultado de mais de 20 anos de pesquisa
básica e clínica por uma variedade de pesquisadores nos EUA e Europa. A realização da estimulação sacral ou neuromodulação sacral consiste em duas etapas. A primeira, conhecida como avaliação neuronal percutânea, é seguida pelo implante cirúrgico do eletrodo e do gerador de pulso definitivos naqueles pacientes que apresentam melhora satisfatória dos sintomas na avaliação inicial.

A avaliação neuronal percutânea inicial é conhecida como PNE. A PNE tem três objetivos básicos:

1)confirmar a integridade dos nervos periféricos e a viabilidade da estimulação;

2) identificar o lugar ideal para posicionamento do eletrodo;

3) permitir um teste clínico antes da implantação definitiva.

O implante da PNE se dácom o paciente posicionado em decúbito ventral, aplicando-se anestesia local na pele e tecido subcutâneo. Para a realização desse procedimento o forame sacral
S3 é puncionado por meio de uma agulha (Figura 1), com auxílio de pontos anatômicos de referência e fluoroscopia em dois planos. Uma sedação leve pode ser necessária, mas o paciente deve estar alerta o suficiente para informar a equipe cirúrgica sobre a localização e natureza dos estímulos sensoriais. Quando a agulha é inserida no forame, ela permite estimulação direta com baixa corrente
para confirmar a localização (em geral S3) e a integridade do nervo. Após confirmar a localização, realiza-se a dilatação do trajeto, no qual será introduzido o eletrodo temporário através do forame sacral. Esse eletrodo é conectado a um eletroestimulador externo e o paciente permanece utilizando esse aparato por três a sete dias. Nesse período, deve ser preenchido um diário miccional que será comparado com o diário obtido antes do implante. Caso o paciente apresente melhora dos sintomas maior ou igual a 50%, ele será considerado candidato ao implante definitivo. O implante do eletrodo temporário é bastante simples e seguro, pode ser realizado em regime ambulatorial, com
mínima morbidade. Em um estudo multicêntrico, observou-se apenas complicações leves, sendo que 10% dos pacientes apresentaram deslocamento do eletrodo prejudicando estimulação adequada, 2,5% apresentaram dor temporária relacionada com a estimulação e 0,8% irritação na pele(2).

O implante do neuroestimulador sacral permanente é considerado como procedimento de pequeno porte e também pode ser realizado em regime ambulatorial. Evita-se a utilização de bloqueadores da
placa motora o que prejudicaria a localização do eletrodo. O eletrodo definitivo possui quatro pequenos eletrodos em sua extremidade, sendo posicionado no mesmo forame em que se realizou a PNE. Esse eletrodo é conectado a um pequeno gerador de pulso que é implantado abaixo do tecido subcutâneo na região dorsal acima do músculo glúteo maior. Em pacientes muito magros com tecido adiposo escasso o implante pode ser realizado, alternativamente, na parede abdominal.

O primeiro implante realizado no Brasil foi feito pelo Prof. Dr. Fernando Almeida no Hospital São Paulo – Unifesp-EPM. A paciente de 18 anos de idade se apresentava com quadro de polaciúria, urgência miccional, perda urinária por urgência, noctúria (2x) e perda urinária todas as noites (enurese). No diário miccional foi observado volumes miccionais inferiores a 110 ml, com 12 a 15 micções por dia. A paciente utilizava dois a três absorventes por dia e também proteção noturna. Fez uso de
medicação anticolinérgica em dose plena, além de terapia comportamental por um período superior a seis meses, sem melhora do quadro. Essa paciente foi orientada sobre riscos e benefícios do implante do neuroestimulador sacral e aceitou ser submetida a realização do procedimento, após consentimento informado. O implante foi realizado após aprovação pelo Comitê de Ética do
Hospital São Paulo – Unifesp-EPM.

No período de teste, a paciente utilizou um gerador externo por sete dias. Foi observada diminuição no número de micções/dia (6-8/dia) com aumento no volume máximo urinado (de 110 para 200 ml).
Durante o período de teste, a paciente apresentou perda urinária noturna em apenas três noites. Com esse resultado, foi decidido pelo implante do gerador definitivo no subcutâneo. Atualmente, essa paciente está com um mês de seguimento e apresenta cinco micções por dia com volumes de até 280 ml, está completamente seca durante o dia, não necessitando utilizar absorventes, no
período noturno apresenta perdas esporádicas duas a três vezes por semana. Ainda
estamos trabalhando no ajuste fino do neuromodulador, o que poderá melhorar ainda mais os sintomas, utilizando o mínimo possível de estimulação para que aumente a o tempo de duração da bateria do gerador de pulso.

Existem vários estudos na literatura relatando o uso do neuromodulador sacral para o tratamento da BH, mas o principal trabalho que levou a maior utilização e indicação do implante foi um estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado envolvendo 16 centros na América do Norte e Europa. Nesse estudo foram recrutados 155 pacientes (125 mulheres e 30 homens) entre 1993 e 1997(3).
Pacientes com doenças neurológicas, dor severa e IUE foram excluídos.
Essencialmente, todos pacientes tinham falhado a terapia anticolinérgica (farmacológica). Os pacientes poderiam ser descritos como tendo incontinência urinária severa com uma duração média de sintomatologia de nove anos, nove episódios de incontinência por dia e usando 4,8 absorventes por dia. Todos pacientes foram avaliados com PNE; 98 pacientes (63%) tiveram bons resultados
(diminuição de 50% no número de perdas ou de absorventes por dia). Esses pacientes foram randomizados para receberem ou não o implante definitivo. Após seis meses de seguimento, o grupo tratado apresentou uma melhora dramática em todos os parâmetros analisados. Os episódios de incontinência diminuíram em média de 9,7 para 2,8 por dia, número de absorventes diminuiu de 6,2 para 1,1 por dia e a severidade das perdas diminuiu de 2,0 para 0,8 (todos com p <
0,0001). Não houve mudanças no grupo-controle. Dos pacientes tratados, 47% se tornaram completamente secos e 30% apresentavam perdas leves, num total de 77% sucesso (cura e melhora significativa). A eficácia do dispositivo foi então novamente testada, desligando-se o gerador de pulso durante uma semana. Desta forma, foi observado um rápido retorno da incontinência para os níveis de base.

Além disso, a eficácia da estimulação foi mantida no seguimento de 12 e 18 meses.

Em outro estudo similar com 51 pacientes portadores de urgência miccional e polaciúria sem perda urinária houve uma dramática diminuição na polaciúria (9,3 vs. 16,9 micções por dia) e um aumento na média do volume urinado (226 ml vs. 118 ml), comparando pacientes tratados com
controles(4).

Embora haja uma clara evidência da eficácia clinica, os problemas e limitações da neuromodulação não são desprezíveis. Dos pacientes que receberam o implante, 20% persistem com perdas importantes. O procedimento para realização do implante, embora muitos menos invasivo do que a ampliação vesical com intestino, não é isento de complicações. Os principais eventos
(complicações) foram dor no local do gerador (15,9%), dor no local de implantação do eletrodo (19,1%) e deslocamento do eletrodo (7,0%)(3). Alguma forma de revisão cirúrgica foi necessária em 32,5% dos pacientes, embora não exista descrição de nenhuma lesão permanente ou parcial de nervos. O problema mais freqüente foi relacionado com dor após o implante. Atualmente, esse
problema parece ter sido resolvido pela mudança do local do implante do gerador da parede abdominal anterior para a região posterior logo acima do músculo glúteo maior. Com relação à dor no local do eletrodo, essa pode ser controlada simplesmente pela mudança nos parâmetros elétricos (amplitude e intensidade de pulso).

A neuromodulação sacral tem por princípio a estimulação neuronal contínua, levando a modulação do controle reflexo do trato urinário inferior.
Esse efeito é relativamente compreensível em um paciente com BH, em que a estimulação aferente de S3 inibe atividade detrusora em nível de medula sacral, diminuindo a instabilidade detrusora e urgência miccional. Porém, como poderia o mesmo estímulo levar um paciente com retenção urinária não obstrutiva a ter um melhor esvaziamento vesical. Para explicar esse fato, existe uma teoria
sugerindo que a anormalidade primária nesses pacientes é uma hiperatividade cortical inibitória ou “reflexo da guarda” que também seria modulado pela estimulação de S3. O fato de que duas condições opostas podem responder à mesma terapia atesta a complexidade da auto-regulação do trato urinário inferior.
Assim, como muitas outras formas de tratamento para disfunções do trato urinário inferior, o exato mecanismo de ação da neuromodulação sacral ainda não está esclarecido, sendo que mecanismos de reflexo sacral, bem como centros de modulação pontinos ou corticais têm sido postulados como responsáveis pelo resultado.

Em resumo, o Interstim é mais uma ferramenta que está tornando-se disponível em nosso meio e poderá ser utilizada no alívio dos sintomas de pacientes com BH refratária e retenção urinária idiopática, possibilitando uma melhora na qualidade de vida. Essa forma de tratamento não
deve ser entendida como a solução para todos os pacientes com essas disfunções miccionais. A seleção cuidadosa dos pacientes é decisiva e pode aumentar as chances de sucesso. Além disso, os pacientes devem ser orientados que dentre aqueles avaliados com a PNE, em torno de 60% apresentam resposta satisfatória e serão candidatos ao implante do gerador definitivo. Dentre os que receberem o implante definitivo, podemos esperar uma diminuição de 60% no número de perdas
por dia, uma diminuição de 83% número de absorventes utilizados por dia e de 60% na severidade das perdas. Além disso, em torno de 47% tendem a ficar secos e 30% permanecem apenas com perdas leves, ou seja, uma chance de sucesso ao redor de 77% após o tratamento completo.

Fonte:www.drfernandoalmeida.com.br/n/blog/o-que-e-o-neuromodulador-sacral-interstim/