Quebrando o tabu da impotência sexual, Viagra e outras drogas ajudam na reabilitação de pacientes

por Carol Knoploch

Adriana e o marido Fernando têm dois filhos e relação sólida: “Falo para as amigas que fazemos tudo. Menos de pé” – Daniela Hallack Dacorso / daniiela darcoso

RIO – Homens que sofreram lesões na medula espinhal em plena juventude têm em comum a causa da tragédia — em geral, tiro ou acidente de trânsito — e o comprometimento da vida sexual. Um recurso eficiente na reabilitação desses pacientes é o uso do Viagra e outras drogas que quebraram o tabu da impotência sexual na terceira idade. Ao contrário do que muitos imaginam, a maioria dos paraplégicos e tetraplégicos consegue ter ereções — e muitos, prazer.

O problema é que elas são fugazes, duram poucos minutos, tempo insuficiente para uma relação sexual. Com a desmistificação do uso da pílula azul e de outros que surgiram a reboque, pessoas com deficiência física redescobriram o sexo.

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— Os atletas da seleção brasileira de basquete em cadeira de rodas e da esgrima são casados ou estão sempre namorando. Não têm dificuldade nesse sentido — conta Hésogy Gley, integrante da equipe médica e coordenador do antidoping do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). — Dos Jogos de Pequim, em 2008, para os de Londres, em 2012, aumentou muito o número de atletas com lesão na medula e dos casos de quem toma remédio para o sexo. Mas poucos contam isso abertamente.

Gley explica que, assim como no esporte olímpico, os atletas paralímpicos precisam informar os remédios que tomam. O objetivo é evitar confusão no exame antidoping. Mas, no caso dos atletas com deficiência, esses relatórios são frequentes. E entre os recordistas estão os remédios com efeito vasodilatador, indicado para impotência.

— O vasodilatador não é considerado dopante. Os atletas podem tomar, mas precisam de orientação médica e aviso à comissão antidopagem — explica Gley, considerado um dos profissionais “mais legais” do CPB. — De cara perguntam se tomar Viagra dá doping. Ficam com medo de ter de escolher entre o sexo e o esporte. Quando digo que não… viro o cara mais legal da comissão médica.

Como há variações de comprometimento das lesões medulares, a possibilidade de ter relações sexuais e de gerar filhos depende do nível e do tipo de ruptura sofrida.

As lesões mais comuns causam a tetraplegia, quando há lesão cervical ou torácica de alta intensidade, o que compromete tronco, pernas e braços, ou a paraplegia, quando há perda dos movimentos da área da cintura para baixo.

— Conhecendo seu potencial e suas limitações, fica mais fácil ter uma vida sexual ativa. Principalmente para os homens. Apesar de a ereção ser basicamente resultado de manipulação, o prazer tem de ser desfocado da área genital. Há cadeirantes com alguma sensibilidade no pênis, mas a maioria “transfere” o tesão para outros locais do corpo — diz a fisiatra Izabel Maior, professora aposentada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-secretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. — Para eles, o ideal é “abrir o horizonte”.

Izabel, que sofreu lesão quando ainda era estudante, afirma que nos paraplégicos a possibilidade de prazer é maior, pois há preservação de tronco, braços e abdome. Já entre os tetraplégicos, depende muito da sincronia do casal.

— Sexo? Não faço! Hoje faço amor — afirmou Marcelo Yuka, de 49 anos, ex-baterista e um dos fundadores da banda O Rappa, que há 15 anos ficou paraplégico após tentar fugir de um assalto e ser atingido por nove tiros. — Só aprendi a fazer amor depois da cadeira de rodas. Antes era só sexo. Agora, gosto de me jogar, achar uma sintonia. Se não rolar essa entrega, de forma tranquila, não vai!

Yuka comenta que sempre teve “mentalidade machista”.

— Sabe aquela coisa do macho, branco, dominante? Eu que dava prazer para a mulher. Muitas vezes me preocupava só comigo. E quando ela chegava ao orgasmo, puxa, eu era foda!

Hoje, carinho e conquista são combustível e criam um clima que o deixa feliz. Mesmo sabendo que está totalmente “nas mãos dela”.

— É como um adolescente que transa pela primeira vez. Tenho de provar toda vez que tenho condições. Por isso, após os jantares, quando o programa vai se estender ou não, começo a ficar nervoso. Minha primeira transa depois da cadeira de rodas foi inesquecível. Percebi o quanto a mulher é incrível no sentido de ser generosa. O protagonismo agora é todo dela. Dependo dela.

O músico conta que tem pouca sensibilidade, “algo como usar dez camisinhas ao mesmo tempo”, e que toma Viagra para ter confiança.

— Ruim? É ótimo dentro do que posso. Tomo como qualquer pessoa. Muito menino faz o mesmo para encarar um mulherão ou uma festinha — comparou Yuka, que está reatando o namoro.

FILHOS ANTES E DEPOIS

Bruno D’Elia Matzke, de 37 anos, também ficou paraplégico após levar um tiro numa briga na rua. Ele tinha 17 anos.

Após período de choque, entendeu que teria limites, mas que poderia transar e até ter filhos. Hoje, é pai de Pâmela, de 19 anos, e Breno, de 10 anos.

— No início, fui me testando. Reaprendendo, descobrindo em que partes do meu corpo sentia prazer. Tomo remédio para ter relações duradouras com a minha esposa — falou o técnico em manutenção, que trabalha na Assembleia Legislativa.

Fernando Menezes Amaro, de 52 anos, conta que o Viagra revolucionou o sexo para o homem em geral. E que o cadeirante se beneficia do remédio.

— Se remédios como o Viagra podem nos ajudar, por que não usar? É para isso mesmo que servem! E por que não falar abertamente sobre isso? Não me importo com os olhares dos colegas por causa disso — falou Fernando, que é casado com Adriana, de 48 anos.

Com 16 anos, Fernando foi atropelado quando andava de bicicleta no Alto da Boa Vista. Conheceu sua esposa já na cadeira de rodas. O casal tem dois filhos: Raphael, de 25 anos, e Fernanda, de 20.

— Foi antes do Viagra! (risos) — brinca ele, que é chefe do setor de restauração da Biblioteca Nacional e presidente da Associação dos Deficientes Físicos do Rio. — Eu era jovem e era mais fácil. Agora, uso remédio para ajudar. Mas também não é toda hora. Como qualquer casal, não programo quando vou transar — completou ele, que, antes do casamento, era bastante assediado por causa da curiosidade e do fetiche.

Adriana conta que nunca teve dúvidas em relação ao sexo quando começou a namorar Fernando. Ao contrário de família e amigos, não o via como um cadeirante. Até hoje, mulheres lhe perguntam como tudo acontece.

— Ele é um cara muito bem resolvido. Teve apoio da família e se vira sozinho no dia a dia. Não casei com ele para ser sua enfermeira. Sempre fomos um casal de namorados e eu deixava as coisas rolarem — resume Adriana, que ri ao lembrar da curiosidade feminina. — Sempre digo que fazemos tudo. Menos de pé (risos)!

Rodrigo Gouvêa, urologista da Casa de Saúde São José, explica que, de uma maneira geral, os homens com lesão na medula conseguem ter ereções apenas por estimulação local (arco reflexo).

— Outra fórmula de estímulo é quando o homem sente tesão ao ver um filme, por exemplo. Daí, o cérebro manda o impulso para o pênis. Mas, como essa comunicação está comprometida, não funciona na grande maioria das vezes para os cadeirantes. Ver um filme pode ajudar no sentido de deixar o homem feliz. Não melhora a ereção nem interfere na sua qualidade — explica Gouvêa. — Além de os casos serem diferentes, eles também podem mudar com o tempo. Quem tem algum prazer na região genital pode não ter. E vice e versa.

PRAZER PARA ELA

Paulo Oliveira, de 24 anos, é outro que fala abertamente sobre o uso do remédio. Mas admite que fica sem graça quando vai comprá-lo na farmácia e a vendedora é mulher:

— Elas sempre dão uma risadinha — contou o cadeirante, que ficou tetraplégico em 2008, após tomar um tiro numa briga de rua.

Depois do episódio, teve medo de enterrar o sexo de vez.

— No início, eu rejeitava minha namorada porque, na verdade, não estava à vontade com a minha situação — confessa Paulo, que está solteiro. — Hoje, não sinto orgasmo, mas tenho prazer do meio do peitoral para cima. Acho que o maior problema, na verdade, será ser pai. Já me informei, e vou ter de retirar o esperma do testículo. Tenho fé de que ainda terei o meu moleque.

Jovane Guissone, campeão paralímpico da esgrima adaptada, em Londres, em 2012, vai comemorar o quinto aniversário do filho, que ganhou o seu nome, no mês de julho. E não quer parar por aí. Pediu mais um para a esposa.

— E ele não precisa de remédio! — garante Queli, que antes de se casar com o atleta, já era mãe de Amanda, hoje com 13 anos.

Ela conheceu o marido já cadeirante (em novembro de 2004, o esgrimista foi baleado em um assalto). Disse que ficou estarrecida com a sua beleza. E logo comentou com familiares sobre ele.

— Muita gente me questionou sobre minha escolha. Por que um cadeirante? Mas o Jovane me cativou pela simplicidade, pelo coração — justificou Queli, que engravidou três meses após decidirem morar juntos. — Ele chega lá, mas só depois de mim. Sou eu que estou no comando, certo?

Foi Jovane quem salvou Paulo Roberto Tenutti, de 28 anos. No meio do ano passado, o esgrimista ficou sabendo que Paulo havia sofrido um acidente de moto e tinha ficado paraplégico.

— Minha vida estava em suspenso. Eu e minha esposa, em choque, nos acostumando à nova realidade. Desde adaptar a casa até repensar nossa relação — contou Paulo, que já tinha um filho, Kevin, na época com 1 ano. — O Jovane me procurou e me apresentou à esgrima. Como tive de abandonar meu trabalho numa montadora de carros, foi ótimo para mim.

Além disso, o amigo lhe deu toques sobre sexo. E o preconceito caiu por terra:

— Não tinha ideia de como o remédio poderia me ajudar. Salvou meu casamento — admite Paulo Roberto. — Tinha vergonha. Acho que é porque não sinto nada. Tomo Viagra para minha esposa ter prazer. Esse é o objetivo.