Paula Pacheco Colaboração para o UOL
 
Uma instituição oferece atendimento odontológico gratuito para jovens entre 11 e 18 anos, de baixa renda, e para mulheres vítimas de violência doméstica. Outra trabalha em projetos para facilitar a inclusão de deficientes visuais.E uma terceira transforma cabelos doados em perucas para crianças com câncer. Três voluntários contam como se associaram a esses grupos e acabaram tendo suas vidas transformadas.
 
Luiz Scott, 58, dentista Voluntário da Turma do Bem.
 
“Um dia minha mulher falou ‘você precisa conhecer esse projeto, é a sua cara’. Acho que ela nunca se arrependeu tanto de ter dito aquilo [risos], porque hoje, oito anos depois, eu só falo da Turma do Bem 24 horas por dia.
 
O que me motivou foi a possibilidade de fazer alguma coisa pelo outro. E quando você faz na sua área de atuação fica ainda mais fácil. Passei por um curso preparatório para ser voluntário é fazer de qualquer jeito, no improviso, mas é preciso estar capacitado.
 
Arquivo Pessoal
Luiz Scott, dentista: “Hoje vejo que é a indignação que move o voluntariado”
 
Eu me deparava com situações como as que eu vejo hoje, de jovens que não têm condições de pagar por um tratamento, já nos tempos em que dava aula na pós-graduação e acompanhava os alunos.Aquilo sempre me deixou indignado e hoje vejo que é justamente a indignação que move o voluntariado. Além de atender jovens de 11 a 18 anos, atendo mulheres vítimas de violência doméstica.
 
São tratamentos muito longos porque os problemas são muito sérios, por isso não tem como a gente não se envolver. Esses meninos passam anos fazendo tratamento e a gente vira uma espécie de pai deles,dá conselho, torce para que eles consigam com um sorriso melhor ter acesso a oportunidades de conviver com um universo diferente.
 
Um tratamento ortodôntico pode ser a diferença entre ficar sem emprego ou ter um emprego melhor. A saúde bucal também é uma forma de inserção social. Quando você chega no trabalho e pergunta como foi o dia daquela pessoa, para, pensa e pergunta ‘eu estava reclamando do que mesmo?’. No fundo, apesar de dizermos que essas pessoas são beneficiadas pelo nosso atendimento, os beneficiados somos nós, os voluntários.”
 
Roberto Jacobauskas Júnior, 36, cientista da computação Voluntário do Instituto Iris.
 
“Quando criança, sempre batia papo com um ceguinho que parava em frente de casa para pedir um copo de água. O tempo passou e pontualmente eu ajudava algumas ONGs. Um dia, fui visitar a Bienal do Livro, mas estava tão cheia que decidi ir embora. Foi quando passei pelo estande do Instituto Iris, que estava cheio de cachorros, outra das minhas paixões. (O Iris auxilia para que cegos tenham cães-guia.)
 
Bati papo com a Thays [Martinez], fundadora da ONG, conheci o projeto e decidi comprar dez livros para dar de presente a ajudar a impactar mais pessoas. Vi que não podia pensar só no meu próprio umbigo ou achar que estou fazendo o bem só porque parei o carro e deixei alguém atravessar na faixa. Isso é obrigação. Percebi que poderia ir muito além ao encontrar uma turma séria.
 
                     Arquivo Pessoal
                        
              Roberto Jacobauskas Júnior, do Instituto Iris, que promove o uso de cães-guia
 
Comecei a ajudar como voluntário e logo depois me chamara para ser o coordenador de TI [tecnologia da informação]. Tinha de cuidar da loja virtual e do site. Minha primeira decepção não foi com o projeto, mas com as pessoas.Não entendia de site e pedi ajuda em um grupo do WhatsApp. Ninguém se ofereceu para colaborar. Mas foram surgindo outras redes de relacionamento e foi assim que conheci o primeiro de um amigo que fez o site de graça.
 
Claro que tem dias que me emociono. Mas isso serve de estímulo. Quando vejo que a Thays tem dificuldade para fazer algo, me coloco no lugar dela e agradeço por tudo que eu tenho.Nunca a vi sentar à mesa para reclamar de nada. E faz bem para mim ter essa consciência de que reclamamos demais enquanto alguém apenas sonha com o dia que receberá um cão-guia.”
 
Fernanda Spagnuolo, 40, jornalista Voluntária do Cabelegria.
 
“Eu vinha de um ano muito complicado, com problemas na família, suspeita de câncer de tiroide. Quando soube do projeto Cabelegria, que arrecada cabelos, confecciona perucas e as doa para pessoas que passaram por tratamento de câncer, decidi cortar e doar meu cabelo como forma de agradecer por tudo ter acabado bem.
 
Tempos depois, soube que seria feita uma campanha no [site de financiamento coletivo] Kikante para arrecadar R$ 100 mil. Eu tinha acabado de deixar o meu emprego para começar a empreender,então decidi aceitar a oferta daquele job, que pagaria R$ 1.000 por mês, por três meses, e ajudar na divulgação da campanha.
 
                   Arquivo Pessoal
                      
            Fernanda Spagnuolo ajudou em campanha do Cabelegria e manteve a parceria
 
Aquele foi meu primeiro cliente na assessoria de comunicação. Um mês depois de começar o trabalho eu já tinha fechado com outros três clientes. Decidi que não receberia mais do Cabelegria e que o meu trabalho voluntário seria ajudar a divulgar na imprensa e nas redes sociais sem cobrar. Um ano e meio depois eu já tenho 11 clientes, trabalho muito, mas sempre arranjo tempo para o Cabelegria. Sempre que posso, faço ações que ajudem na comunicação entre o projeto e os outros clientes.
 
Meu conselho para quem pensa em ser voluntário é ir de coração aberto e abraçar a causa. Às vezes é muito difícil. Por exemplo: quando uma mãe escreve para devolver a peruca e diz ‘porque minha filha não vai precisar mais’, porque morreu. Mas tem o outro lado, como as mães que contam que as filhas voltaram a ir à escola depois que ganharam a peruca ou uma mulher entra no truck móvel com um lenço na cabeça, de cabeça baixa, e sai completamente transformada e feliz, com cabelos novamente.
 
Às vezes choro, já cheguei a abandonar uma entrevista porque não me senti com estrutura para ouvir aquele depoimento, mas sei que sou uma pessoa melhor quando estou lá. É como se os problemas pessoais ficassem invisíveis. Você percebe que o importante é ter saúde, no resto a gente sempre dá um jeito. O voluntariado pode ser para todo mundo, mas não é preciso estar presente em um projeto para isso. Basta ser solidário, dar um sorriso para a vizinha, , ajudar um amigo desempregado, conversar com o colega ao lado que não parece bem naquele dia.”.