Infantilizar, usar espaços reservados, ter pena, chamar de herói… Perguntamos para pessoas com deficiências físicas quais são as situações mais constrangedoras e ofensivas que elas passam no dia a dia delas e desenhamos para você.

(Conheça série de quadrinhos da SUPER: “Um dia na vida de…”. Conversamos com mulheres, negros, gays e pessoas com deficiência para entender que situações desconfortáveis fazem parte de seu dia a dia – e depois desenhamos os casos para todo mundo entender.)

Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo têm algum tipo de deficiência – o número equivale à população do Brasil, Rússia, Estados Unidos, Japão e Indonésia juntos. Esse grande contingente faz delas a maior minoria do mundo. Apesar de terem seus direitos garantidos por um conjunto de regras nacionais e internacionais, nem sempre essas normas são colocadas em prática por falta de respeito, verba ou mesmo por desconhecimento.

E é justamente sobre as sutilezas da falta de informação que queremos discutir com a série “Um dia na vida”: muitas vezes não sabemos que nossas atitudes ofendem, interferem na liberdade individual do outro ou que ignoramos a voz de uma parcela da população que quer e merece ser tratada com dignidade. Eles não são excepcionais, especiais, aleijados, incapazes ou heróis: são pessoas com algum tipo de deficiência que querem levar uma vida autônoma e livre. Pedir respeito, acessibilidade e inclusão não tem nada a ver com mimimi.

Sabemos que cada tipo de deficiência gera uma necessidade específica para quem a possui. Pensando em evitar generalizações sobre as particularidades de cada uma e cientes de que querer abordar todas em apenasum quadrinho é também uma forma de reduzi-las, preferimos dar prioridade aos tipos mais frequentes de deficiência física.

Todos os quadrinhos a seguir foram inspirados em casos reais de pessoas que passam por essas situações diariamente. Agradecemos à Bruna Define, Gabriela Abrunheiro, Veri Helfstein, Maria Paula Vieira, Viviane Alvarez, Jorge Rodrigues e Gustavo Torniero pela colaboração.

Um dia na vida de uma pessoa com deficiência física

Com quadrinhos de Helô D’Angelo


#SuperAcessível: no primeiro quadrinho, um cara ruivo sem deficiência está entrando no banheiro reservado para pessoas com deficiência. Ele tem uma expressão encabulada, porque um rapaz de muletas está esperando para usar o banheiro. O cara ruivo diz: “É rapidinho, juro! É que só consigo usar esse banheiro para fazer o número dois…”. No segundo quadrinho, o rapaz de muletas pensa: “Que cara folgado! Eu é que não consigo usar o outro banheiro…”.
Nosso conselho nesse caso: Banheiros e outros espaços reservados para pessoas com deficiência, como vagas de estacionamento e assentos preferenciais, existem por uma razão: eles facilitam o acesso e a vida dessas pessoas. Evite usar esses espaços.


#SuperAcessível: no primeiro quadrinho, um homem está conversando com uma menina cadeirante. O homem diz: “Você é bonita demais pra ser deficiente!”. No segundo quadrinho, aparece apenas o rosto da menina, com uma expressão de irritação. Ela pensa: “o que uma coisa tem a ver com a outra?”.
Nosso conselho nesse caso: Uma deficiência física é uma característica que pode(ou não) influenciar na aparência da pessoa. É desrespeitoso elogiar alguém “apesar” da deficiência que ela possui. Você gostaria de ser elogiado “apesar” de alguma característica física sua?


#SuperAcessível: No primeiro quadrinho, uma senhora se aproxima de um homem cego, que está de pé, com um cão guia. Preocupada, ela diz: “Meu Deus! Coitadinho de você… Eu vou rezar pra Deus te curar, viu, meu filho?”. O homem fica constrangido. No segundo quadrinho, ele está com a mão na testa, com uma expressão de “Me dê forças, meu Deus”. Ele pensa: “EU é que devia rezar pra ela parar de se meter na vida dos outros!”.
Nosso conselho nesse caso: Quem disse que a pessoa com deficiência é coitada? Vale a pena pensar nisso antes de esbanjar pena. Como você se sentiria se alguém prometesse rezar para modificar uma característica sua?

#SuperAcessível: no primeiro quadrinho, uma mulher cega está de pé em um vagão do metrô. Ao lado dela, um senhor também está de pé. O senhor diz, sorrindo: ” Nossa, que legal você andando de metrô! Que exemplo de superação!”. No segundo quadrinho, a moça aparece de saco cheio. E pensa: “Mas eu só tô pegando o metrô! O que tem de superação nisso?”.
Nosso conselho nesse caso: Dizer que alguém é um exemplo de superação pode até parecer um elogio, mas não é. Tratar uma pessoa com deficiência como herói ou heroína é presumir que a sociedade pode se isentar da responsabilidade de inclui-la. Afinal, por essa lógica, ela tem “super poderes”, não é mesmo?


#SuperAcessível: no primeiro quadrinho, uma menina está sentada no banco preferencial do ônibus. Uma mulher cheia de sacolas, chega perto da menina e diz:”Estou cheia de sacolas e você aí, sentada! Você é folgada mesmo, hein?”. No segundo quadrinho, a menina levanta a barra da calça e mostra uma prótese na perna. A mulher diz: “Desculpa,é que você não tem cara de deficiente… “. A menina pensa: “E você não tem cara de preconceituosa!”.
Nosso conselho nesse caso: Não existe uma “cara” de pessoa com deficiência. Ninguém precisa provar que tem uma deficiência.


#SuperAcessível: no primeiro quadrinho, uma mulher cadeirante está em uma loja de roupas. Uma vendedora se aproxima com algumas opções de blusinhas, se abaixa ao lado da cadeirante e, como quem conversa com um bebê, diz: “Oi, bonitinha! Já encontrou uma roupinha que você goste? Essa blusinha é lindinha!”. No segundo quadrinho, a cliente está com uma expressão de raiva e chateação. Ela pensa: “Que saco, não sou criança. Por que ela tá falando assim?”.
Nosso conselho nesse caso: Falar com voz mais fina, usar diminutivos e frases simples só porque a pessoa tem alguma deficiência deixa a entender que você acha que ela tem a autonomia e o discernimento de uma criança. Nem as crianças gostam de ser infantilizadas assim.


#SuperAcessível: no primeiro quadrinho, um casal está em uma festa. A namorada não tem um dos braços. Uma senhora se aproxima dos dois e diz:”Nunca deixe ele ir embora. Vai saber quando alguém vai te amar tanto assim, apesar de tudo…”. No segundo quadrinho, a namorada está com uma expressão de impaciência. Ela pensa: “Ele não está comigo por pena! PQP!”.
Nosso conselho nesse caso:”Pessoas com deficiência são seres humanos, com desejos e vontades. Elas também se relacionam amorosamente – e supor que o parceiro está junto por pena ou “bondade” é ofensivo. As pessoas são mais complexas que suas deficiência. Não as reduza só a isso”.

Source: Um dia na vida de… uma pessoa com deficiência física | Superinteressante