Ao se acidentar em uma onda, em 1991, Taiu viveu momentos de drama, mas, após conhecer o surfe adaptado, criou projeto para auxiliar outras pessoas
 
ESPORTES OLÍMPICOS – Eugenio Goussinsky, do R7
 
Reprodução/Facebook
Taiu criou projeto para surfe adaptado
Taiu criou projeto para surfe adaptado
 
A voz é a mesma do jovem de 29 anos, campeão do surfe e com um futuro promissor. “É animal!”, costuma dizer sobre algo grandioso. As gírias joviais se mantêm intactas. Esse estilo de fala revela, mesmo pelo telefone, que nem o grave acidente, em 1991, quando ficou tetraplégico, impediu Octaviano Augusto de Campos Bueno, conhecido como Taiu, de ver a vida com entusiasmo.
 
O instante fatídico ocorreu no dia 1 de novembro, quando uma onda mal completada o fez bater a cabeça no fundo raso, formado por uma bancada de areia, na praia da Paúba, litoral norte paulista.
 
Naquele momento, Taiu, hoje com 56 anos, já era campeão brasileiro de surfe e vivia uma juventude repleta de planos. Especialista em ondas grandes, havia viajado o mundo, dissecado os mares do Havaí e participado dos circuitos brasileiro e internacional. Nascido em São Paulo, ele morava no Guarujá desde 1984, ano de seu título nacional.
 
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                                  O esporte está em seu dia-a-dia
                             O esporte está em seu dia-a-dia
 
Foram necessários, porém, alguns meses de agonia para que ele começasse a ver o mundo com um outro olhar. E conseguisse, de certa maneira, compensar o sofrimento, o transformando em aprendizado.
 
“Foi duro, passei alguns meses deitado, só queria sair de casa, trabalhar, participar, partilhar a atmosfera do surfe. Não podia ficar parado, foi difícil.”
 
Mas, se um surfista precisa de paciência para esperar a melhor onda e nela deslizar, Taiu entendeu que aquela paciência era necessária também na relação com a sua natureza. E aos poucos foi descobrindo soluções para se sentir mais integrado.
 
Ele se tornou locutor de competições, comentarista, passou a escrever artigos para revistas. Escreveu dois livros (Alma Guerreira e Taiu – Na Onda do Espírito) sobre sua experiência e conduziu um documentário de repercussão, apresentado neste início de 2019. Mas havia sido em 2010 que Taiu reencontrara a alegria plena, ao entrar novamente no mar.
 
Um grupo de amigos, na ocasião, se mobilizou para preparar uma prancha adaptada, idealizada pelo amigo Jorge Pacelli, com um tamanho ampliado. Nela, auxiliado por um instrutor, Taiu voltou a surfar.
 
“Por mais que eu tivesse me recuperado em vários sentidos, surfar novamente mudou completamente a minha recuperação. Até então eu olhava frustrado para o mar. Mas, a partir do momento em que peguei uma onda, mesmo de uma maneira um tanto estranha naquele momento, antes de me acostumar, foi uma alegria imensa.”
 
Iniciativa solidária
 
Taiu diz que aquele momento o revitalizou com muito mais intensidade. E abriu rotas em que ele pôde ancorar alguns de seus sonhos. A ajuda que ele ainda precisa receber em algumas situações, não tira a convicção de que ele conquistou sua independência. Ele descobriu que, por meio de seu exemplo, pode ajudar muitas pessoas.
 
E criou, a partir do momento em que voltou ao mar, a ONG SMF (Sociedade Mais Forte) e o projeto Surf para Todos, que até hoje está em atividade. Os interessados podem procurá-lo pelas redes sociais. O projeto possibilita que pessoas com alguma deficiência física possam praticar o surfe, com auxílio de instrutores capacitados.
 
“Quis compartilhar a minha experiência. Muitas pessoas com deficiências nem imaginam o quanto elas podem fazer. Elas pensam que a acessibilidade está fora do alcance delas. Mas, não precisa ser assim. Sei que, no Brasil, ainda é muito difícil a vida dos cadeirantes. Busco levar para outras pessoas a mesma sensação de alegria e redescoberta que tive no momento em que voltei a surfar.”
 
A autoconfiança resgatada com o retorno ao mar o ajudou a romper barreiras em outras áreas. O fato dele viver sobre uma cadeira motorizada, pilotada pelo queixo, não o impediu de se casar com Diana Campos Bueno, que, em agosto último deu à luz suas duas filhas gêmeas, Marcela e Isabela.
 
“Na época do acidente, nunca iria imaginar que, 18 anos depois, eu teria conquistado minha independência, poderia ir de lá para cá, estar casado, engravidaria minha esposa e me tornaria pai. Mas, não teria construído esta trajetória sem os meus amigos.”
 
Taiu ainda mora no Guarujá e também sente saudades dos tempos em que a cidade brilhava, conhecida como Pérola do Atlântico. Diz que somente agora o município começa a sair do período de crise que afastou turistas.
 
Mas, ao olhar para trás, ele não vê apenas o antigo balneário repleto de pessoas passeando nas noites de verão. Vê-se jovem, cheio de vida, antes do acidente. E, apesar das dificuldades, percebe o quanto evoluiu desde então.
 
“Uma das características do surfe é ser um esporte até certo ponto egoísta. Com uma prancha você vai para o mar, fica horas lá, contemplando o horizonte e o mundo pode estar pegando fogo, no caos, que você não está nem aí. É uma terapia. Há surfistas mais velhos, com 60, 70 anos bem resolvidos, nunca precisaram de ajuda psicológica. Mas o acidente para mim também me fez ver um outro lado. Claro que ajudou a abrir mais a minha mente e a olhar para os outros também.”
 

Source: APNEN NOVA ODESSA: Surfista tetraplégico reencontra alegria após retornar ao mar