Uma cidade grande, um trânsito infernal. No semáforo, um homem aparece em uma cadeira de rodas, vendendo saquinhos de bala. O cadeirante aborda um motorista, que compra um pacotinho. “Surge a dúvida: o motorista realmente queria os doces ou a intenção foi ajudar o cadeirante?
Na maior parte dos casos, a compra acontece pela segunda opção”, afirma Marcelo Pires, 45 anos. O paulista é o fundador da Consolidar, iniciativa criada para capacitar portadores de deficiência – e transformar vítimas em protagonistas.
Pediu pra sair da empresa no qual trabalhava, Pires até gostava do que fazia, mas se sentia incomodado, pois o lugar em que trabalhava não era muito adepto desse terceiro pilar. “Ficava indignado com a empresa, pois ela não beneficiava a sociedade. Ao mesmo tempo, via gente pedindo dinheiro no semáforo e resolvi fazer algo diferente.”
Sem calças colantes
Então saiu da empresa de gastronomia e foi empreender em uma área bem diferente – um posto de gasolina, localizado na cidade litorânea de São Sebastião (SP). Só que em vez das meninas com calças colantes, Pires contratou pessoas em cadeiras de rodas como frentistas. A medida despertou o interesse dos moradores da cidade. “Os clientes perceberam que a gente não abastecia só o carro. A gente abastecia a alma das pessoas”, afirma Pires.
Em 2012, com vontade de repetir as ações de inclusão para outras empresas, Pires criou a Consolidar. Além disso, firmou uma parceria com a rede Frango Assado. A empresa abriu uma unidade no mesmo terreno e assumiu a operação do posto. “Graças a eles, agora eu tenho tempo suficiente para a Consolidar”, afirma o empreendedor.
Apesar disso, o negócio quebrou um ano depois. Chegou um momento em que Pires não tinha dinheiro nem para comprar gasolina para o posto. Segundo o empreendedor, os próprios funcionários o ajudaram a se reerguer. “Eles se sacrificaram para juntar dinheiro e comprar combustível para voltarmos a funcionar”, afirma.
Posteriormente, Pires mudou de bandeira – da extinta Hudson para Petrobras –, cedeu parte do negócio a amigos e comprou o terreno do posto. A partir daí, tudo começou a melhorar.
Contratar o cadeirante, não a cadeira de rodas
Atualmente, as empresas brasileiras têm que reservar um porcentual de suas vagas para portadores de deficiência. De acordo com Pires, o objetivo da Consolidar é que essas pessoas não sejam contratadas apenas para obedecer à cota, mas por serem merecedoras daquele emprego. “Ao cumprir a lei, as empresas contribuem para uma causa muito nobre.”
A Consolidar atende empresas de todos os tipos – de gigantes como a Odebrecht até uma pequena padaria em Sorocaba (SP). A iniciativa não faz uma capacitação detalhada para cada uma das empresas, mas treina o lado comportamental dos portadores de deficiência.
O trabalho da Consolidar pode parecer óbvio, mas é importantíssimo para quem nunca teve um emprego formal. “Eliminamos comportamentos viciosos, de quem se considera uma vítima, como mentiras e falta de comprometimento, e valorizamos as virtudes de quem se prepara com a gente”, diz.
Elas aprendem a maneira certa de lidar com as limitações dos futuros contratados e participam de um período de vivência. “Colocamos executivos em cadeiras de rodas, ou os vendamos, para que eles sintam como é a vida de quem tem deficiência.”
Os portadores de deficiência que trabalham com a Consolidar não pagam nada – os custos são das companhias parceiras. No site da Consolidar, empresas interessadas no serviço e deficientes em busca de uma oportunidade podem entrar em contato com a empresa.
Com a Consolidar, Marcelo Pires trabalha para que pessoas com necessidades especiais sejam protagonistas de suas vidas.
Via: http://revistapegn.globo.com/