Uma cidade grande, um trânsito infernal. No semáforo, um homem aparece em uma cadeira de rodas, vendendo saquinhos de bala. O cadeirante aborda um motorista, que compra um pacotinho. “Surge a dúvida: o motorista realmente queria os doces ou a intenção foi ajudar o cadeirante? Na maior parte dos casos, a compra acontece pela segunda opção”, afirma Marcelo Pires, 45 anos. O paulista é o fundador da Consolidar, iniciativa criada para capacitar portadores de deficiência – e transformar vítimas em protagonistas.


No começo da carreira, Pires foi diretor de uma empresa de gastronomia. Enquanto isso, foi contagiado pelos valores do Metanoia, processo de reposicionamento empresarial focado em três valores: ética, prosperidade e humanidade. Pires até gostava do que fazia, mas se sentia incomodado, pois o lugar em que trabalhava não era muito adepto desse terceiro pilar. “Ficava indignado com a empresa, pois ela não beneficiava a sociedade. Ao mesmo tempo, via gente pedindo dinheiro no semáforo e resolvi fazer algo diferente.”
Sem calças colantes

E fez. Em 2001, saiu da empresa de gastronomia e foi empreender em uma área bem diferente – um posto de gasolina, localizado na cidade litorânea de São Sebastião (SP). Só que em vez das meninas com calças colantes, Pires contratou pessoas em cadeiras de rodas como frentistas. A medida despertou o interesse dos moradores da cidade. “Os clientes perceberam que a gente não abastecia só o carro. A gente abastecia a alma das pessoas”, afirma Pires.

Apesar disso, o negócio quebrou um ano depois. Chegou um momento em que Pires não tinha dinheiro nem para comprar gasolina para o posto. Segundo o empreendedor, os próprios funcionários o ajudaram a se reerguer. “Eles se sacrificaram para juntar dinheiro e comprar combustível para voltarmos a funcionar”, afirma. 

Posteriormente, Pires mudou de bandeira – da extinta Hudson para Petrobras –, cedeu parte do negócio a amigos e comprou o terreno do posto. A partir daí, tudo começou a melhorar.

Em 2012, com vontade de repetir as ações de inclusão para outras empresas, Pires criou a Consolidar. Além disso, firmou uma parceria com a rede Frango Assado. A empresa abriu uma unidade no mesmo terreno e assumiu a operação do posto. “Graças a eles, agora eu tenho tempo suficiente para a Consolidar”, afirma o empreendedor.


Contratar o cadeirante, não a cadeira de rodas

Atualmente, as empresas brasileiras têm que reservar um porcentual de suas vagas para portadores de deficiência. De acordo com Pires, o objetivo da Consolidar é que essas pessoas não sejam contratadas apenas para obedecer à cota, mas por serem merecedoras daquele emprego. “Ao cumprir a lei, as empresas contribuem para uma causa muito nobre.”

A Consolidar atende empresas de todos os tipos – de gigantes como a Odebrecht até uma pequena padaria em Sorocaba (SP). A iniciativa não faz uma capacitação detalhada para cada uma das empresas, mas treina o lado comportamental dos portadores de deficiência. O trabalho da Consolidar pode parecer óbvio, mas é importantíssimo para quem nunca teve um emprego formal. “Eliminamos comportamentos viciosos, de quem se considera uma vítima, como mentiras e falta de comprometimento, e valorizamos as virtudes de quem se prepara com a gente”, diz.
As empresas parceiras da Consolidar também passam por um treinamento.
Elas aprendem a maneira certa de lidar com as limitações dos futuros contratados e participam de um período de vivência. “Colocamos executivos em cadeiras de rodas, ou os vendamos, para que eles sintam como é a vida de quem tem deficiência.”
Os portadores de deficiência que trabalham com a Consolidar não pagam nada – os custos são das companhias parceiras. No site da Consolidar, empresas interessadas no serviço e deficientes em busca de uma oportunidade podem entrar em contato com a empresa.