Por: Laura Martins
Fonte: Buenos Aires de cadeira de rodas – Parte 1

Estive em Buenos Aires em maio de 2010, em mais uma aventura de cadeira de rodas. Estou me preparando para retornar este ano, pois me apaixonei pela cidade.

Para mim, viajar é das experiências mais prazerosas da vida. Então, quero muito compartilhar essas experiências com vocês, com a esperança de incentivar mais cadeirantes e outras pessoas com deficiência a sair pelo mundo, apesar das dificuldades, que não são poucas. Mas o “sacrifício” é compensador.

Para Buenos Aires, viajei com minha mãe e meu irmão Ulysses. Essa cidade ainda não está bem preparada para receber pessoas com deficiência. Há poucas calçadas rebaixadas, e as que existem estão quebradas. Também há poucos banheiros acessíveis (imaginem o que é passear sem saber se vc vai encontrar um lugar onde fazer xixi…).

Uma das inúmeras bancas de flores da Calle Florida

Muitos espetáculos de tango e apresentações musicais acontecem no subsolo ou no andar de cima, com extensas escadarias para transpor. Haja braço forte dos amigos ou de desconhecidos… Desse modo, é difícil um cadeirante circular sozinho pela maioria dos espaços, e, mesmo com ajuda, não é fácil entrar em muitos lugares. Mas não é impossível.

Sozinho, dependendo da condição do cadeirante tocar sua própria cadeira, dá pra circular em alguns lugares. Por exemplo, na Calle Florida (que é um calçadão, onde os carros estão proibidos de circular), no shopping Galerias Pacífico (a entrada pela Florida é acessível e há banheiros também acessíveis), no Malba (Museu Latino-Americano de Arte Moderna), onde estão obras como o Abaporu, da brasileira Tarsila do Amaral, e um autorretrato da mexicana Frida Kahlo (que, por sinal, também tinha uma deficiência física). Tudo é acessível nesse museu, inclusive o charmoso bistrô.

Malba: arquitetura lindíssima, rampa na entrada, banheiro adaptado,
obras de arte imperdíveis, bistrô charmosíssimo!

Em todos os quarteirões do Centro por onde passei, há calçadas rebaixadas. Porém, praticamente todos os rebaixamentos estão quebrados ou têm um desnível de cerca de dois, três centímetros em relação ao asfalto. Na Recoleta e em Palermo, bairros arborizados e com uma linda arquitetura, há pouquíssimos rebaixamentos, lamentavelmente. Por outro lado, a cidade é toda bastante plana, o que facilita bastante os deslocamentos.

Bs As é uma cidade deliciosa, que respira cultura. Muitos teatros, uma livraria em cada quarteirão, apresentações artísticas o tempo todo nas ruas, charmosos cafés em cada canto. É uma curtição flanar na Recoleta ou em Palermo, por exemplo. Nada pra fazer, só admirar as áreas verdes, a arquitetura, as lojinhas e bater ponto em algum café elegante e charmoso.

Não se pode deixar de conhecer a livraria El Ateneo Grand Splendid, na Avenida Santa Fé. É esplendorosa! Já foi um teatro e hoje é uma das maiores livrarias da América Latina, assim como uma das mais lindas do mundo. Os balcões do antigo teatro hoje comportam prateleiras com livros, CDs e DVDs. Tem elevador e banheiro acessível. Uma rampinha íngreme dá acesso ao palco, onde se localiza o café.

Livraria El Ateneo Grand Splendid. Vamos combinar: é um encanto!

Dá também para passear no Jardim Japonês, assim como, com alguma dificuldade, no Rosedal, que é magnífico, mas a circulação é pavimentada com pequenas pedras, o que dificulta bastante o transitar com a cadeira. E não há rebaixamento das calçadas para entrar no parque onde ele se localiza. Uma pena, porque é um passeio imperdível.

No Rosedal, há diversos recantos muito inspirados e inspiradores, como o Pátio Andaluz. Com escadas…

Rosedal e sua circulação pavimentada com pequenas pedras.
Haja braço! Mas compensa, porque é lindo e perfumadíssimo.
Pátio Andaluz e todo o seu romantismo. No Rosedal.
Para falar do Rosedal, é necessário mostrar as rosas, não?
E elas estão lá, aos milhares, segundo informações oficiais.
Várias espécies venceram concursos,
e há as que foram consideradas as mais perfumadas.
É claro que fui conferir o aroma, me empoleirando sobre o canteiro,
correndo o risco de cair e ainda de levar uma bronca por ter esmagado
alguma flor! Mas é irresistível!

Bem perto fica a magnífica escultura chamada Floralis Genérica, que abre as pétalas quando o céu está claro. Dá pra chegar bem pertinho de cadeira de rodas. E vale a pena, porque ela é deslumbrante.

Floralis Genérica

Perto também fica o Planetário. Tem algum acesso para cadeirantes, com uma plataforma elevatória para superar as escadas, mas sem nenhuma segurança, nenhuma proteção. Acho que fui uma louca de me deixar transportar naquele troço, mas tudo bem, sobrevivi.

Passear pela Recoleta e por Palermo possibilita conhecer a bela arquitetura, muitas vezes inspirada na francesa, e encontrar cafés e lojinhas muito charmosos. Mas será necessário um braço forte para ajudar, pois, novamente, quase não há rebaixamento nas calçadas. Josephina e La Biela, na Recoleta, são cafés onde há entradas planas. Ambos são muito agradáveis, e o primeiro tem banheiro acessível. No Alvear Palace Hotel há uma plataforma elevatória na entrada, o que permitirá que o cadeirante entre para conhecer a imponente arquitetura, os lustres de cristal e as passarelas persas, ou para tomar o café da manhã, o chá da tarde ou o brunch dominical. Programa de rei ou de rainha, e acessível.

No centro, não deixe de ir ao tradicionalíssimo e elegantérrimo Café Tortoni. De manhã não é tão cheio e só tem um pequeno degrau na entrada.

 

Em frente ao Café Tortoni. Só um degrauzinho. Mas
eles têm uma rampinha móvel, que oferecem para colocar
na hora. Recusei porque é muito íngreme.
Ah! E tem shows de tango…

Adoramos Puerto Madero, mas para ter acesso encontrei apenas uma rampa na extremidade Norte. Cafés e restaurantes, só com a ajuda de braços bem fortes. Não encontrei lugares acessíveis, mas também não “andei” por toda a região. Dá pra circular tranquilamente pela calçada e ir até a Ponte da Mulher, que é linda.

Contudo, apesar das dificuldades, Puerto Madero não pode deixar de receber sua visita. É uma paisagem inspiradora e oferece restaurantes para todos os gostos.

 

Muito charme e elegância em Puerto Madero.

E uma dica do Eduardo Câmara, do blog Mão na Roda: consulte o Guia Óleo. Disse ele: “Esse guia de restaurantes tem uma busca (http://www.guiaoleo.com.ar/nav_pro.php) que mostra os lugares com acesso e também com banheiro adaptado. As informações são corretas e há quase 1.000 restaurantes com banheiro adaptado no guia!”.

Fiquei hospedada no Hotel Meliá Buenos Aires, na Rua Reconquista, no Centro. Oferece quarto acessível correto e lobby também acessível. Ele fica em um calçadão, onde só podem entrar automóveis para embarque e desembarque ou para ter acesso aos estacionamentos. Em frente ao hotel, há diversos pubs bacanas. E o melhor: o hotel fica perto de tudo. Da pra ir “a pé” (ou tocando a cadeira…) a Puerto Madero, às Galerias Pacífico, à Plaza San Martin, etc., etc.

Para pegar táxi, algumas dicas: agende por telefone, por questões de segurança, e peça um carro cujo porta-malas caiba a cadeira de rodas, pois grande parte deles funciona a gás, e o cilindro preenche todo o espaço.

Como regra geral, nossos hermanos são bastante simpáticos e fazem de tudo para compreender o que dizemos, ainda que não saibamos uma palavra de espanhol. Não foram poucas as vezes em que pessoas espontaneamente ofereceram ajuda para que eu saísse de algum café ou restaurante com degrau na entrada. Mas, é claro, não custa aprender algumas expressões básicas do idioma, para facilitar a comunicação, não é mesmo?

A bela arquitetura da Recoleta.

Voei pela TAM e fiquei satisfeita. O atendimento a bordo foi muito atencioso, e as comissárias fizeram de tudo para tornar minha viagem mais confortável. É possível utilizar o toilette, pois existe uma cadeirinha de rodas que passa no estreito corredor, mas é necessário que a pessoa deficiente tenha algum equilíbrio de tronco e movimentos de braço para fazer a transferência da cadeira para o vaso sanitário.

No site, vc pode registrar que tem necessidade de usar sua cadeira de rodas até a entrada da aeronave e de ser acompanhado até lá. E, como as poltronas destinadas às pessoas com deficiência não podem ser marcadas nem pela internet, nem por telefone, chegue mais cedo ao check-in para solicitá-las.

No mais, boa viagem! A minha foi ótima.

Fotos: Laura Martins e Ulysses Martins



Para saber mais:

  • No fantástico blog Mão na Roda, veja os posts de Joana Roquette sobre sua viagem a Buenos Aires. Eu também colaborei com um post!

http://maonarodablog.com.br/tags/buenos-aires/

  • Aqui, você lê o post que a jornalista Gisele Teixeira, brasileira, radicada em Buenos Aires, fez sobre a minha experiência na cidade. Ah! O blog dela é muito útil para quem ama Bs As.
  • Clique aqui para contemplar belas fotos da Recoleta.
  • Atualização em 2/4/2013: Clique aqui para saber mais sobre os hábitos culturais de Buenos Aires.

Fonte: Buenos Aires de cadeira de rodas – Parte 1

confira  a parte 2 aqui:

http://cadeiravoadora.blogspot.com.br/2011/05/buenos-aires-de-cadeira-de-rodas-2.html