AVENTURAS E DESVENTURAS DE UM CADEIRANTE SERIDOENSE

Olá, meus Amores!!

Já estava com saudade de vim aqui contar a história dessas pessoas que sabem valorizar e afirmar a vida diariamente. Para isso, resolvi trazer o caicoense, professor, poeta e blogueiro Jose Mário Dantas, 40 anos. Conheci José Mário, nos corredores do CERES, enquanto nos preparávamos para sermos historiadores e professores de História.

Como nos lembra Durval Muniz de Albuquerque Júnior, “Um historiador, um professor de história é alguém que ensina, acima de tudo, a desconfiança em relação às verdades cristalizadas no tempo e sobre ele. A historiografia é uma polemologia, como nos diz Michel Onfray, nada mais do que isso”. Com vocês, a entrevista de José Mario.

JOSE MARIO DANTAS- CASADAPTADA- SERIDOENSE

Fale-nos sobre sua deficiência e como você, seus pais, familiares e amigos “digeriram” tudo isso?

 Aos oito meses de nascido no ano de 1975 fui diagnosticado como tendo sido acometido pelo vírus da poliomielite (paralisia infantil). A minha família, especificamente a minha mãe tiveram um choque, pois não compreendiam exatamente o que significa àquela “doença”.

A família no geral sempre compreendeu que a paralisia não era um empecilho para viver a vida , para desenvolver mais resiliência e estudar.Desse modo aos 09 anos de idade no ano de 1985 sai da zona rural e fui morar com meus avós e tias para estudar e receber apoio dos meus primos  no bairro onde fui residir, sendo conduzido todos os dias a escola daquela localidade nunca cadeira de rodas bem rudimentar que ganhei da LBA.

Depois os meus irmãos e meus pais se tornaram essa ancora em me levar todos os dias para estudar o ensino fundamental e médio respectivamente.

A partir do ano de 1991 recebi ajuda de verdadeiros amigos para ser resiliente contra  desânimos e depressão que haviam a invadido minha adolescência. Ao meu redor encontrei pessoas que abriram minha mente referente às coisas desse mundo onde vivemos. A minha vida passou a ter mais sentido, metas e objetivos. Saí das cinzas.

Quando me dei conta que era pessoa com deficiência já havia sentido na pele o preconceito e a discriminação.

Como foi sua infância e adolescência? 

A minha infância foi vivida boa parte na zona rural e a outra na zona urbana. Eu era uma criança que brincava bastante e sempre lia cordel e revistas em quadrinhos da Marvel, minhas paixões até hoje.

Quando descobri que era adolescente iniciou-se aquelas dúvidas sobre corpo, namoro, e a vontade de estar junto com amigos.

Fale um pouco de como foi sua vida escolar e acadêmica.

Eu comecei a estudar no ano de 1985 e fui rejeitado pela escola. Naquele tempo as coisas eram um pouco fora do eixo. A minha professora se vestia no estilo Adolf Hitler, muito séria, porém amigável comigo. Nos intervalos eu era colocado a parte e não podia participar do recreio como as demais crianças. Eu nunca brinquei de nada, nesse período. Eu tinha muita vontade de ser envolvido em tudo aquilo. Depois que terminava, a professora me conduzia para sala de aula. Na sala eu não tinha amigos e ninguém podia falar comigo. Isso naquele tempo era normal para mim.

A minha ida para o fundamental foi cheio de problemas, porém era outra realidade. A discriminação cheirava a corações sanguinolentos. A agressão começou a ficar constante. No médio tudo mudou. Conheci pessoas dispostas a contribuir com o meu crescimento, como pessoa.

A vida acadêmica foi um pouco complicada por causa da falta de acessibilidade e compreensão de alguns professores. Foi necessário abaixo assinado para resolver as coisas.

Como você entende a relação da sociedade contemporânea com quem tem deficiência?

A sociedade contemporânea tem um aspecto de fragmentação. Deveríamos estar passando por um momento maior de colaboração histórica entre todos os seres humanos.

Os diversos conflitos existentes no cenário envolvendo as pessoas com deficiência são de caráter social e estrutural. Como conviver numa sociedade que trata-nos como seres de outro planeta? Há diversas melhorias que não podemos negar, mais ainda convivemos com a falta de acessibilidade, discriminação, e falta de respeito.

Essa sociedade deve muito as pessoas com deficiência. As questões de hoje não tratam só de rampas. A ideia que temos que ainda somos tratados como pessoas que só precisam de cuidados, arroz e feijão.

Como o mercado de trabalho o recebeu?

Na verdade eu fazia parte de uma associação na minha cidade. A empresa do sistema S precisava de um profissional com meu perfil de professor para cumprir a LEI Nº 8.213, de 24 de Julho de 1991, de contratação de Deficientes nas Empresas. Nesse sentido eu fui muito bem recebido e isso melhorou bastante minha autoestima.

No entanto, após quase quatro anos de trabalho decidiram me despedir sem justa causa. Nesse sentido sofri muito fora do mercado em virtude da deficiência e a questão da idade.

JOSE MARIO DANTAS- CASADAPTADA- SERIDOENSE- CADEIRANTE

Quais suas considerações a respeito das pessoas com deficiência no mercado de trabalho?

Há uma utopia muito forte em relação a conquista e permanência dessas pessoas no mercado de trabalho principalmente nas empresas privadas. Muitos especialistas e “doutores da inclusão” dizem que precisamos de qualificação. Isso deveria ser um conjunto, visto que a realidade é completamente diferente daquilo que está nas leis ou no papel.

Além disso, tenho observado que muitos concursos disponibilizam certos cargos que não condiz com o perfil das pessoas com deficiência. Há muito cargos técnicos. E quer dizer que nas áreas humanas não poderiam aumentar? Veja até que ponto chega esse dilema, a minoria qualificada torna-se mais prejudicada por falta de oportunidade bem distribuída por áreas.

Certa vez li que há vários obstáculos além desses que falei como principalmente o preconceito no trabalho, a falta de adaptação incluindo rampas, alargamento das portas e a dificuldade de comunicação com as pessoas surdas e cegas. A terceirização instalou o medo para o movimento das pessoas com deficiência no Brasil em vista dos direitos conquistados no passado terem a possibilidade de serem violados.

Como você vê o poder público em relação às pessoas com deficiência?

 Eu procuro ver de maneira flexível. Há um grupo que realmente coloca em prática as sugestões sobre inclusão, acessibilidade e direitos. Entretanto, há outro grupo descomprometido com esses direitos. O poder público em geral precisa humanizar mais as suas ações em parceria com as pessoas com deficiência. Às vezes eles se concentram muito nos representantes de entidades e deixam de ouvir os verdadeiros protagonistas que vivem a realidade nua e crua.

Conte-nos sobre seu blog Mário Dantas em Sintonia”? Como e quando surgiu o blog?

O meu blog surgiu da vontade e da necessidade de registrar os meus poemas. Seria apenas uma forma, digamos, de “guardar” uma certa quantia de material no ano de 2008.O meu inicio foi com 24 postagens. Abandonei um pouco e no ano de 2011 percebi que as pessoas consultavam meu material. Quantidade de acesso estava alta para a minha proposta. Desse modo mudei o perfil do blog e comecei a compartilhar mais informações voltadas ao grupo de pessoas com deficiência.

Atualmente, destaco no mesmo o diário de um Cadeirante, onde narro a minha história com um conceito completamente diferente sobre diário: relatar a vida através do passado. Não obtenho nem um lucro comercial com meu blog e hoje tenho um público acumulado de quase 70 mil acessos. É uma diversão. Esse blog me ensinou mais sobre a discriminação que algumas instituições têm com essa nova forma de comunicação.

Quais as principais dificuldades vividas pelas pessoas com deficiência?

 Já elenquei algumas coisas quando falei sobre empregos. Deveria existir uma abertura maior nas faculdades em relação a nossa profissionalização. Eu digo isso, porque a indicação para Mestrado e Doutorado nas faculdades públicas ainda depende muito da vontade daqueles que estão na frente determinando esse processo. As linhas de pesquisas, dependendo da faculdade, dificultam a entrada para os ditos “normais”, agora imaginem para pessoas com deficiência.

As cidades deveriam se preocupar mais um pouco com os espaços da rua. Esse tipo de dificuldade torna-se sendo um estigma histórico para quem precisa de se locomover diariamente.

Além disso, questões envolvendo sexualidade, moda, tecnologia, violência em geral, discriminação, preconceitos, precisam de debate junto à sociedade organizada. Não iremos mudar o mundo, porém poderemos conscientiza-lo melhor para a nossa convivência.

Em sua opinião, o que é fundamental para ampliarmos a inclusão das pessoas com deficiência no Brasil?

Pensarmos mais com o coração. Atualmente ainda somos pensadores “técnicos” da inclusão. Quando se fala em deficientes a primeira coisa que vem a mente: superação ou doença. A medicina em alguns setores se preocupa muito em transplantar cabeças, porém esquece-se de erradicar por completo o que há de pior nas pessoas: os preconceitos. Na verdade, o caminho deveria ser mesmo de equilíbrio humano e tecnológico.

Imagem 1: Fotografa Melina Soares

Imagem 2: Arquivo pessoal do entrevistado