Me Segura Senão Eu Caio completa 10 anos nas ruas saindo às quartas antes do carnaval com pessoas com deficiência e seus familiares

A alegria de Guilherme Andrade fica tão clara quanto o azul dos seus olhos quando se fantasia de pirata e ganha um punhado de confete das mãos de sua mãe. No bloco Me Segura Senão Eu Caio, ele encontra a felicidade em sua forma mais pura, na forma simples da brincadeira de carnaval. Há 10 anos, o grupo promove, no bairro da Torre, Zona Norte do Recife, a folia de rua voltada para pessoas com deficiências intelectual e física. Um público estimado pelos organizadores em até 4 mil pessoas participam da iniciativa todos os anos, oriundos até mesmo do Agreste do estado, unidos pela necessidade de lidar com cidades pouco adaptadas para recebê-los – limitações maiores que as de seus corpos.

Lá, Guilherme não é notado por ter síndrome de down, mas pela jovialidade dos seus 33 anos de idade. “Ele fica numa ansiedade muito grande, fala durante o ano todo sobre isso”, relata a médica Thereza Andrade, mãe de Guiga, apelido carinhoso dado ao filho. Ela é também uma das fundadoras da Associação de Pais e Amigos da Pessoa com Síndrome de Down (Aspad), uma das 13 entidades que participam do bloco – que Guiga acompanha desde o surgimento. Criado em 2005, a iniciativa teve seu primeiro desfile nas ruas em 2006. “O bloco é importante por conta da desmistificação. A sociedade precisa estar preparada para as pessoas com deficiência. A sociedade é plural, tem gente de todos os tipos e precisa acolher todos”, acrescenta.
Paulo Paiva/DP

A pedagoga Amanda Moraes, 33 anos, também enfrentou dificuldades com o down até ser pós-graduada em Educação Especial e passar por “dois empregos e quatro estágios”, como cita com orgulho. No carnaval, se despe dos títulos e vira colombina. Destaca que “gosta muito de camarotes”, mas fica com os olhos brilhando ao relatar a emoção dos blocos de rua. Os líricos a encantam e o Me Segura Senão Eu Caio faz parte de sua folia há cinco anos. “O carnaval inclusivo é uma luta, uma conquista. Ele é evolução e respeito para promover a inclusão social”, aponta. “Não podemos desanimar. E sempre acreditar”, relata com a segurança de quem enxerga nos obstáculos um companheiro diário.

Já para Caio Rocha, 23 anos, ouvir frevo e ficar parado são ações excludentes. Aliás, Caio Show! “É meu nome artístico”, explica. “Faço tesoura, saci, ferrolho, pernada”, enumera, em referência aos que executa, inclusive nos palcos. Já se apresentou em algumas peças e no carnaval de Bezerros, no Agreste do estado. “É uma festa importante por incluir. Aqui, eles têm a certeza de que são capazes”, aponta Ricardo Rocha, pai de Caio.

Paulo Paiva/DP
Paulo Paiva/DP

A amiga Kizzy Andrade, 23 anos, também tem gosto apurado pela cultura popular. “Ela gosta muito de maracatu e adora se vestir de baiana”, conta a mãe, Ineide Andrade. Durante o ano, vai às aulas semanais voltadas ao ritmo, encaixando tempo na rotina de escola, natação, piscina e psicologia. “É uma energia muito forte, um momento em que a folia é deles, sem discriminação. É único, porém importante”, conta Ineide.

E nasce um bloco

Um bloco que completa uma década de rua e já surgiu brincando com a situação vivida pelos próprios fundadores, como o nome sugere. “Brincamos com o que a pessoa com deficiência passa diariamente. Muitas vezes precisamos de apoio para nos locomover, para não cair e sempre precisamos de apoio para que a luta pela inclusão não pare”, explica Antônio Ferreira, membro fundador do bloco, deficiente visual e atual secretário nacional de promoção dos direitos das pessoas com deficiência.

Ele relata orgulhoso a “consolidação” do bloco no carnaval do estado. “Já entrou para o calendário oficial. Está programado que toda quarta-feira anterior ao carnaval, estamos na rua mostrando que fazemos parte da sociedade”. Como conta um trecho da letra do hino do Me Segura Senão Eu Caio, eles vêm para “mostrar que nesse bloco tudo é diferente”, mas que, mesmo lidando com tamanhas diferenças, há um esforço para que cada um se adeque à sociedade – cabe a ela também se voltar a promover tal inclusão. “Precisamos de mais apoio do poder público e de empresas para que esse bloco não seja algo isolado”.

“Apesar de mostrar a importância da defesa da inclusão, o Me Segura Senão Eu Caio mostra, ao mesmo tempo, os passos lentos dados pela sociedade em busca dela. Julio André de Sá é testemunha. Morador de Feira Nova, no Agreste, vem há três anos ao Recife somente para brincar no bloco. Aos 25 anos, é estudante de computação, e, desde os 14, convive com a paraplegia gerada por um acidente. “Venho para brincar no carnaval de rua. Pelo interior, até na minha cidade, existem camarotes para pessoas com deficiência, mas ficamos em um espaço restrito, sem poder sair”, conta. Usa sua liberdade para andar com o triciclo utilizado em sua locomoção.”

Julio André de Sá

estudante

“O estudante de recursos humanos Waldemir Lima, 40 anos, desfila no bloco desde a fundação. “É uma forma de mostrar para a sociedade que, apesar das nossas deficiências, a gente se diverte”. Ele é cadeirante por conta da Amiotrofia Medular Espinhal que o acompanha desde o nascimento. Costuma se fantasiar de anjo porque, segundo ele, é um anjo. “Apesar de todas as mazelas, eu sou a prova viva de que o bem sempre vence”.
Waldemir Lima

estudante

“A deficiência física entrou na vida do terceiro sargento da Polícia Militar, Waldemar Coelho, 49 anos, durante o serviço. Em uma operação da Rádio Patrulha, foi atingido por seis tiros. Um deles atingiu sua sexta vértebra e lhe tirou os movimentos das pernas, enquanto outro atingiu a artéria femural acarretando a amputação de sua perna esquerda. A cadeira de rodas, entretanto, não impossibilita que participe do carnaval. Acredita que a agremiação surgiu diante da carência das pessoas com deficiência. “Tivemos que criar um bloco para poder ter o nosso espaço num evento tão importante como é o carnaval”, aponta o presidente da Associação de Militares e Bombeiros com Deficiência.”
Waldemar Coelho

Policial Militar

Fonte: Bloco de pessoas com deficiência faz 10 anos, na Torre