Pacientes paraplégicos com antigas lesões na medula espinhal apresentaram melhoras sem precedentes na mobilidade e nas sensações com um treinamento de realidade virtual e o uso da robótica controlada pelo cérebro, informou nesta quinta-feira (11)  uma equipe de cientistas liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis.

Alguns pacientes conseguiram até mesmo reiniciar sua vida sexual graças a esse tratamento de reeducação cerebral e física experimentado no Brasil.
Seis homens e duas mulheres que perderam completamente o uso dos membros inferiores registraram progressos significativos, relataram os pesquisadores na revista “Scientific Reports“.
Em quatro casos, os médicos foram capazes de melhorar seu status para “paralisia parcial”, um nível inédito de melhoria através de técnicas não-invasivas.

 

Reprodução/TV Globo

O atleta Juliano Alves Pinto deu o pontapé inicial na abertura da Copa do Mundo de 2014 usando exoesqueleto criado po Nicolelis

Um deles –uma mulher de 32 anos paraplégica há mais de uma década – pode ter vivenciado a transformação mais dramática. No início dos testes, realizados em uma clínica de São Paulo, ela era incapaz de permanecer de pé mesmo com a ajuda de suportes. Treze meses depois, ela conseguia andar com a ajuda desses suportes e de um terapeuta, e passou a realizar o movimento de andar suspensa a partir de um arnês.

“Nós não poderíamos ter previsto este resultado clínico surpreendente quando o projeto começou”, explicou o paulista Miguel Nicolelis, neurocientista da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, e o principal arquiteto desta pesquisa de reabilitação.

 

“Até agora, ninguém viu a recuperação dessas funções em um paciente tantos anos depois de ter sido diagnosticado com paralisia completa”, contou a jornalistas em uma entrevista por telefone.
Uma das mulheres recuperou suficientemente as sensações –em sua pele e dentro do corpo– “que decidiu ter um bebê”, contou Nicolelis. “Ela conseguia sentir as contrações”, afirmou.

O progresso se traduziu em uma melhor qualidade de vida, segundo relatos dos próprios pacientes, acrescentou.

A terapia inovadora combinou diversas técnicas para estimular partes do cérebro que antes da paralisia controlavam os membros dos pacientes, inativas há muito tempo.
A reabilitação começou por fazer com que eles aprendessem como operar um Doppelganger digital (ou avatar) dentro de um ambiente de realidade virtual.
Ao mesmo tempo, os pacientes usavam gorros justos revestidos com 11 eletrodos para registrar a atividade cerebral através de EEG, ou eletroencefalografia.

Desempenho sexual

Inicialmente, quando eles foram convidados a se imaginar caminhando enquanto estavam imersos em um mundo digital 3D, as partes do cérebro associadas ao controle motor das pernas não conseguiam acender.
“Se você falasse ‘use suas mãos’ havia atividade cerebral”, explicou Nicolelis. “Mas o cérebro apagou quase completamente a representação de seus membros inferiores”.
Depois de meses de treinamento, estas partes do cérebro há muito tempo adormecidas começaram a despertar.
Nesse ponto, os pacientes aprenderam a utilizar equipamentos mais desafiadores que exigiam algum controle de sua postura, equilíbrio e capacidade de usar os membros superiores, incluindo arnês suspensos –comuns em centros de fisioterapia– que carregam o peso do corpo.
Eles também utilizaram exoesqueletos robóticos, não muito diferentes das armaduras articuladas e de alta tecnologia do herói dos quadrinhos Homem de Ferro.
Nestes testes, os pacientes usavam um dispositivo no braço equipado com uma tecnologia ‘touch’, chamada de “haptic feedback”, que utiliza uma série de vibrações únicas – algo como os solavancos e zumbidos que os jogadores de videogame sentem com o controle nas mãos – para ajudar o cérebro a treinar.
Quando um avatar anda na areia, por exemplo, o paciente sente uma pressão diferente em relação à constatada na grama ou no asfalto.
“O cérebro do paciente cria a sensação de que eles estão andando sozinhos, não com a ajuda de aparelhos”, uma espécie de ilusão, explicou Nicolelis.
Sua teoria –que ainda não foi provada– é que este processo estimula alterações não apenas no cérebro, mas também na medula espinhal danificada. Os resultados vistos até agora parecem confirmar isso.
Com os oito pacientes atualmente em seu segundo ano de treinamento, Nicolelis prepara um estudo de acompanhamento buscando mudanças em sua qualidade de vida.
“Eles constataram, em seus próprios termos, uma melhoria muito significativa – em termos de mobilidade, ser capaz de sentir as pernas e a pele”, contou aos jornalistas. “Também houve uma melhoria no desempenho sexual para os homens”, acrescentou, notando que alguns deles recuperaram “a possibilidade de ter relações sexuais e ereções.”.
Fonte: PCD online