Conheça a história de Nathalia Santos, a primeira deficiente visual a apresentar um jornal online no Brasil. Em entrevista exclusiva à CRESCER, ela conta como o apoio de sua mãe foi essencial para que realizasse seus sonhos
 
Por Texto Juliana Malacarne
 
                      Nathalia Santos recebe o carinho da mãe, Claudia Rodrigues, de quem nunca faltou afeto e apoio. (Foto: Alexandre Neves)
Nathalia Santos recebe o carinho da mãe, Claudia Rodrigues, de quem nunca faltou afeto e apoio. (Foto: Alexandre Neves)
 
O amor materno tem o poder de mudar muitas histórias. Você deve conhecer uma ou várias. E a jornalista Nathalia Santos, 24 anos, acredita que esse foi o componente primordial que fez toda a diferença em sua trajetória. Vinda de uma família humilde, ela precisou lidar com a perda da visão na adolescência. Mas, com o apoio de parentes, amigos e, principalmente, da mãe, a empregada doméstica Claudia Rodrigues, 45, superou as dificuldades para realizar o desejo de ser jornalista e se tornar uma mulher de bem com a vida. Hoje, é a primeira pessoa do Brasil com deficiência visual a apresentar um jornal na internet, trabalhou como comentarista no programa Esquenta!, da Rede Globo, participou do debate sobre preconceito no evento sobre emponderamento feminino Elas por Elas, do Grupo Globo, em março deste ano, e atualmente administra o canal no YouTube Como Assim Cega? Em entrevista à CRESCER, Nathalia conta um pouco de sua história em tom de voz firme, de quem foi incentivada sempre a não se abalar diante dos obstáculos, ainda que tenha de driblá-los diariamente. E, com resignação, fala dos desafios que crianças e jovens com algum tipo de deficiência enfrentam no país. Confira.
 
Como foi a sua infância?
 
Nasci em uma comunidade bem carente do Rio de Janeiro chamada Cidade Alta. Meu pai era vendedor e minha mãe, empregada doméstica. Quando completei 6 meses de vida, ela percebeu que havia algo estranho e que eu respondia muito mais a efeitos sonoros do que visuais. Decidiu, então, me levar a médicos, que não souberam apontar a causa do problema, mas receitavam óculos que aumentavam de grau a cada ano que passava. Quando criança, enxergava somente 20% do que é considerado normal. Não conseguia ver cores e os vultos eram distorcidos. É como se estivesse usando óculos de sol em uma noite muito escura. Mas essa dificuldade não me impediu de fazer amigos, participar de brincadeiras e frequentar escolas públicas de ensino regular. Criança não tem essa coisa de preconceito, e meus pais não me privaram de nada. Tive as mesmas experiências de meus irmãos, Jonathan, 27 anos, e Danilo, 20, que também foram muito parceiros. Fui criada em uma família que me via como uma pessoa normal, que tinha uma diferença. Aprendi a lidar com ela, e sabia que não precisava me isolar por causa disso.
 
Como você e sua família lidaram com a notícia de que ficaria cega?
 
Quando eu completei 12 anos, comecei a perceber que, a cada dia, estava enxergando menos. Foi um período turbulento e de muita angústia. Um dia conseguia servir meu suco sozinha no copo e, no outro, não. Comecei a esbarrar nas coisas… Preocupados, os meus pais me levaram a uma médica que, depois de muitos exames, descobriu que eu tinha uma doença hereditária rara e degenerativa, chamada de retinose pigmentar sem pigmento. E então, ela deu a notícia para eles: “Sua filha vai ficar cega”. Para minha mãe, foi um baque intenso. Ela me viu perdendo um sentido que considerava essencial. Mas, para mim, foi um alívio. Porque, quando você tem a visão, por menor que seja, sempre quer ver mais, e eu entendi que esse não seria meu futuro. Depois de ter certeza do que aconteceria, pude seguir em frente e aprender a lidar com minha nova realidade. Aos 15 anos, perdi completamente a visão. Minha maior preocupação era não ser uma cega triste, e minha mãe não deixou que isso acontecesse.
 
Qual foi a importância da sua mãe nesse processo, de não desistir, não se abater diante das adversidades?
 
Minha mãe é uma mulher negra, com pouco estudo, não tem registro do pai na certidão de nascimento e começou a trabalhar aos 10 anos. Mas é muito sábia, me preparou para o mundo. Ela me ensinou a aceitar minha realidade sem me limitar. Sempre disse: “Se você não consegue materializar um sonho desse jeito, tentamos de outra forma. Agora, deixar de sonhar é que você não vai”. Depois que soube que eu perderia a visão definitivamente, ela me levou de ônibus a vários lugares do Rio de Janeiro para que eu memorizasse e conseguisse me locomover sozinha quando precisasse. Ela me ajudou a decorar cada canto dentro de casa e a usar a bengala. Sempre me levou a museus, exposições e, apesar de não ter tido muito acesso à educação formal, me estimulava a assistir ao jornal para entender o que acontecia no mundo. Também lia muito para mim. Hoje em dia, os papéis se inverteram e, por eu ter feito faculdade e estudado bastante, sou eu quem apresenta ideias e conceitos novos para ela.
 
O que é mais difícil para você hoje?
 
É lidar com o preconceito das pessoas, pois eu tenho um olho muito vivo, então há quem não acredite que sou cega. Tem ainda as dificuldades do cotidiano. Já pensei em alguns momentos: ‘Não quero mais ser cega!’. Não quero mais bengala, quero poder pegar um ônibus, ler relatórios, ver um sinal verde… Mas, depois de refletir, eu concluí que não sou eu que tenho que querer, é a sociedade que tem que se adaptar. O ônibus tem que estar adaptado, tem que haver sinalização sonora e o relatório tem que estar em braile!
 
O que diria aos pais de crianças com alguma deficiência?
 
Gostaria que eles vissem os filhos como pessoas, que têm defeitos, qualidades e uma personalidade única, sem colocar a deficiência à frente disso. Cada filho tem uma limitação e uma necessidade diferente da outra, e vai aprender e se desenvolver dentro disso. Sou muito feliz, não lamento por não enxergar. Criei o canal do YouTube para que as pessoas vissem que isso é possível e para que todos, cegos e não cegos, compartilhassem experiências sobre o que tornaria a sociedade mais inclusiva. Tenho dias mais tristes que os outros, como qualquer um, mas a deficiência é só uma parte de quem eu sou. Não me define e não deveria definir ninguém.
 
“Minha maior preocupação era não ser uma cega triste, e minha mãe não deixou que isso acontecesse.”