Em novembro de 2015, Melanie Cowpland, 44 anos, e sua filha Sofia, de 11 anos de idade, partiram do Reino Unido em uma moto com sidecar tendo um destino em mente – a África do Sul. Depois de passar nove meses na estrada, a dupla concluiu com sucesso a sua aventura épica, mas o que torna tudo mais especial é que o passeio foi desenhado por Melanie para ajudar Sofia, que tem autismo, a se desenvolver e ver o mundo…
 
MM Viagens -
 
POR FAUSTO MACIEIRA*
 
O roteiro de épica jornada... (Foto: Divulgação)
O roteiro de épica jornada… (Foto: Divulgação)
 
Antes da viagem, Melanie era uma motociclista novata, mas no final ela tinha pilotado pelo comprimento da África e, após inúmeras falhas mecânicas em sua Ural, ela tinha se tornado profissional em diagnosticar e resolver problemas na estrada. Sofia também aprendeu muito ao longo do caminho, com Melanie escrevendo em seu blog que “ela não fica facilmente aborrecida com mudanças, sua higiene pessoal melhorou, colaborar em algumas tarefas não é mais um cenário de 3ª Guerra Mundial. Geralmente, sua luta comigo está a 20% do que costumava ser, e eu diria que mudou para uma faixa mais normal do que você esperaria de uma menina de 11 anos de idade.
 
Quando ela anunciou sua intenção de levar sua filha através da África em um sidecar, algumas sobrancelhas foram levantadas, mas, inabalável, a dupla persistiu com a sua missão e uma coisa é certa, a aventura foi uma experiência de mudança de vida para ambas…
 
Em entrevista a Bryn Davies, editor da página Adventure Bike Rider, Melanie conta como planejou, enfrentou e desfrutou dessa longa jornada.
 
ABR: de onde veio a ideia de África com Autismo?
 
Melanie Cowpland: Eu amo viagens independentes, mas não tinha viajado desde que Sofia tinha dois anos, porque era muito difícil com seu autismo. Quando ela tinha oito anos, tornou-se claro que ela seria capaz de começar a lidar com isso. De início era uma viagem de estrada no verão, que em seguida estendeu-se por um ano inteiro, e a sincronia foi perfeita para a sua situação escolar.
 
ABR: Quanto de incentivo Sofia deu no planejamento e preparação para a viagem?
 
MC: ela realmente não incentiva porque não tem consciência. Foi mais um caso de eu a incentivando, a estimulando com tantos cenários “reais” caso possível, a levando na moto acampar nos fins de semana, por exemplo, ou, no caso da parte europeia, eu ficava dizendo a ela que o clima provavelmente seria horrível, mas é melhor passar por isso rapidamente do que ficar parando.
 
Eu repeti isso muitas vezes e, quando chegou a hora, ela era minha líder de torcida, me mantendo indo em frente, o que foi maravilhoso. A maior preparação para ela foi viver em um motorhome por quatro meses antes de sairmos, de modo que ela estava acostumada a poucos brinquedos, sem TV e Internet. Felizmente a moto quebrou algumas vezes antes de sairmos, e assim que ela estava acostumada a isso também!
 
Sofia e Melanie usaram na vigem uma Ural 750cc com sidecar ano 2003... (Foto: Divulgação)
Sofia e Melanie usaram na vigem uma Ural 750cc com sidecar ano 2003… (Foto: Divulgação)
 
ABR: Quanta experiência de motociclismo você tinha antes da viagem?
 
MC: Eu passei no meu teste para fazer a viagem; acho que rodei cerca de 5.000 (Nota MM: 8.000 quilômetros) milhas antes de sair, entre a moto estar dentro e fora da oficina.
 
ABR: como você decidiu a rota?
 
MC: A rota mais segura era a prioridade para mim. Enquanto eu queria expô-la a um certo risco, eu não queria que fosse um risco que eu não pudesse controlar. A página do Departamento de Estrangeiros (Nota MM: do Governo Britânico) foi útil para isso.
 
ABR: para muitas pessoas, só o pensamento de andar de moto através da África é bastante perigoso, mas como foi na realidade a partir do ponto de vista da segurança?
 
MC: No geral, as partes que visitamos eram seguras. A maioria de povos da África são amáveis, hospitaleiros e amistososs, então é uma boa experiência e você se sente seguro. Como em toda parte no mundo, incluindo o lado oeste, há povos que não são agradáveis, mas o que é diferente sobre a África é que o resultado de um roubo simples pode ser muito pior.
 
Em termos de condições rodoviárias, eu não tive qualquer problema entre o Cairo e Alexandria, mas nós éramos maiores do que uma moto sem side, e muito mais perceptíveis.
 
ABR: Qual foi o seu momento mais perigoso na viagem?
 
MC: foi uma noite muito quente na Tanzânia; não conseguimos dormir, então decidi que devíamos voltar para a estrada. Eu parei para uma descansar e fumar um cigarro às 3h da madrugada e um caminhão da polícia parou depois de nós, com cerca de cinco homens pulando da parte traseira e alguns da frente, e eles claramente não estavam pensando em nada de bom. Quando eu finalmente identifiquei um pelo uniforme e me dirigi a ele diretamente, eles perceberam que eu era uma mulher e estava viajando com uma criança.
 
Eles ficaram tão chocados que esqueceram suas intenções e começaram a me dar conselhos de segurança sobre onde era melhor para estacionar. Depois de cerca de um minuto disso, eu pedi para eles irem embora. Este foi um momento tenso para mim, porque eles levaram cerca de 30 segundos antes de visivelmente se moverem de volta para o caminhão. Eles pularam dentro e saíram. Não ficamos muito tempo ali, no caso deles mudarem de ideia!
 
Sofia e a girafa... (Foto: Divulgação)
Sofia e a girafa… (Foto: Divulgação)
 
ABR: E o seu mais memorável?
 
MC: essa é uma pergunta difícil – há tantos momentos memoráveis para escolher! Acho que para mim tem que ser Sofia pescando seu primeiro peixe, um atum do Oriente Médio. Ela não desistiu, mesmo quando seus braços começaram a doer. Foi um momento de orgulho.
 
Para Sofia, no momento em que foi a experiência no lago de lava – ela está apenas começando a perceber o esforço que fizemos foi grande, e o apoio incrível que ela teve das pessoas que a apoiaram ao longo da viagem.
 
ABR: Como a sua viagem foi recebida pelos moradores que você conheceu ao longo do caminho?
 
MC: Com espanto, choque, descrença e inspiração. Um monte de gente ficou surpresa porque (o mundo) não era tão inseguro como eles pensavam que era. Como eu estava realmente fazendo isso, ninguém se incomodou em me dizer que eu não podia; só no Zimbábue, quando eu estava planejando a passagem por Moçambique, que as pessoas (homens principalmente) estavam tentando me dizer que eu não poderia, que era muito perigoso. Mas era claro que era principalmente boato. Então, nós fomos e, como se viu, não fomos em comboio por outras razões, e os lugares onde estivemos estavam tranquilos, , apesar dos constantes rumores e paranóia.
 
ABR: Qual foi o seu país favorito e por quê?
 
MC: Outra pergunta difícil! Para mim eu acho que gostei mais dos desertos no norte da África e da Namíbia, porque eles são mais crus e indomáveis. Para Sofia, foi o sul da África em geral. Eu acho que pode ter sido porque o inglês era mais facilmente falado e as piscinas mais abundantes.
 
ABR: Eu li em seu blog sobre o desafio Fanta – você pode explicar aos nossos leitores no que consiste estepequeno e divertido jogo?
 
MC: Mmanter Sofia engajada em uma meta que não era sobre viagens e mantê-la com um vínculo de casa era importante. Isto inspirou o jogo da Fanta. Ela gostou da bebida, então primeiro eu disse a ela que o gosto é muito melhor em uma garrafa de vidro, então alguém disse que o sabor da uva na África do Sul era o melhor, então como estávamos na viagem, falávamos sobre quantos sabores diferentes havia e se ela os tinha experimentado.
 
É um pouco como manter-se distraído lendo palavras de placas de número, mas apenas projetado para Sofia, então para ela o jogo teve significado durante a duração da viagem em si.
 
ABR: antes da viagem de vocês havia muitos céticos, particularmente quando você participou de um curso de formação para pilotar o sidecar – as dúvidas te estimularam ou você começou a ter segundos pensamentos?
 
MC: Pelo que eu tinha entendido, o treinamento seria geralmente sobre expectativas, estratégias, etc., mas quando chegamos lá eles tratarm de tudo sobre habilidades off-road, eu mal tinha pilotado a moto na estrada, muito menos no off-road, por isso não funcionou tão bem como um dia de treinamento. Eles também não tinham experiência com o sidecar, então eu convidei o meu mecânico, que é muito experiente com sidecars, para o o treinamento, para ter esse enfoque coberto se fosse necessário. Eu fiquei tão feliz porque ele estava lá!
 
Na verdade, a atitude deles só me aborreceu. Um deles, até esse ponto, tinha me apoiado e ajudou com o planejamento, de modo que ser confrontada pelos outros dessa forma foi chocante. Senti-me desgosto mais do que tudo.
 
Eu sabia que haveria pessoas me criticando, mas realmente isso não importava para mim , se deveria ou não fazer a viagem ou me incentivar. Minha decisão de fazer a viagem não teve nada a ver com as opiniões de pessoas que não me conhecem ou que têm o que eu tenho em termos de experiência e motivação para me apoiar. A viagem tinha tudo a ver com conhecer as necessidades de Sofia – ficou claro no treinamento que eles tinham perdido completamente este ponto. As pessoas com as quais eu senti melhor para trocar opiniões que iriam afetar a minha decisão foram favoráveis.
 
ABR: Como foi o desempenho da moto e do sidecar durante a viagem?
 
MC: No início foi tudo bem, mas depois que tivemos uma primeira grande quebra na Etiópia, isso pareceu clarear o resto do caminho através da África.
 
A moto se comportou razoavelmente bem... (Foto: Divulgação)
A moto se comportou razoavelmente bem… (Foto: Divulgação)
 
ABR: você experimentou alguma dificuldade mecânica ao longo do caminho? Como você lidou com elas?
 
MC: Reconstruí dois motores, por problemas estruturais devido à perda de um parafuso no primeiro caso e muito peso sobre as estradas precárias da Namíbia no segundo. Tivemos um tanque de combustível rompido na Etiópia, e pelo o resto da viagem, os carburadores pareciam hipersensíveis ao etanol – o que não é bom em um lugar como a África. Uma bobina nova e um interruptor novo fram necessários ao longo do caminho também. Felizmente todas as rodas eram intercambiáveis, no entanto, na verdade, só tivemos um pneu furado, devido a um raio solto.
 
Lidar com problemas foi parte da aventura – na África há sempre um plano e uma coincidência, e pessoas incríveis colocando você de volta na estrada mais cedo do que você pensa.
 
ABR: Qual foi a parte mais gratificante da viagem?
 
MC: Chegar em East London e na África do Sul, nosso ponto final, sobre a moto e não em um reboque.
 
Dividir sensações, parte fundamental da viagem de Melanie e Sofia... (Foto: Divulgação)
Dividir sensações, parte fundamental da viagem de Melanie e Sofia… (Foto: Divulgação)
 
ABR: O mais importante de tudo; a Sofia gostou do passeio?
 
MC: Sim, ela gostou. Mas obter uma resposta clara dela não é tão fácil. Acho que vai levar anos para ela processar tudo. Aúnica coisa sobre a qual ela não hesita atualmente é sair para um passeio de moto, então eu sei com certeza foi uma experiência positiva para ela.
 
ABR: Qual é a próxima aventura para Melanie e Sofia Cowpland?
 
MC: acabamos de completar um giro de dois meses na Europa, que temos chamado de “A Aventura de Pé Torto”. Gostaria agora de terminar o livro sobre a África, e, possivelmente, o sobre a a turnê da Europa também, antes de planejar a nossa próxima viagem que provavelmente será nos EUA. Dito isto, quem sabe o que o próximo ano vai trazer! O que eu sei é que quero que a Sofia seja independente como adulta. Com autismo isso pode significar pensar mais fora da caixa para, ajudá-la a fazer o mesmo!
 
Para manter-se atualizado com as viagens de Melanie e Sofia, dirija-se à página www.adventurewithautism.org ou as siga no Facebook e Social Media (/adventurewithautism).
 
Bryn Davies para Adventure Bike Rider.com
 
Para ler esta entrevista no original em inglês, clique aqui
 
Opinião MM: Em tudo e por tudo, uma aventura corajosa, majestosa, inspiradora. Uma mulher viajando, em uma moto enorme, com a filha especial, pela África, o Continente Misterioso.
 
O resultado positivo deu margem a novas aventuras motorizadas, que não têm data para terminar. Com a evolução de Sofia, a dupla trocou a pesada Ural por uma BMW 650 GS, mais ágil e fácil de pilotar. Foi com a moto acima que as duas percorreram 8.000 milhas – cerca de 13.000 quilômetros – entre hulho e agosto do ano passado.
 
O autismo é uma condição difícil e permanente, que afeta a comunicação e interação com outras pessoas. Em alguns momentos há maturidade e em outros o oposto, tornando a convivência extremamente trabalhosa. A coragem de Melanie é admirável em todos os sentidos, e nos leva a repensar os próprios problemas. Que em geral não são tão grandes assim…
 
FAUSTO MACIEIRA*
 
Fausto Macieira (Foto: Divulgação)