Uma questão que alguém pode levantar: Por que defendo o título “Psicologia e Pessoas com Deficiência” e não “Psicologia das Pessoas com Deficiência”? Para chegar à resposta, faço uma revisão histórica.

Infelizmente, muitos termos ainda são utilizados de forma discriminatória: aleijados, chumbados, mutilados, paralíticos, paralisados, defeituosos, inválidos, incapacitados, mongóis, mongoloides, retardados, surdos-mudos, mudinhos, anormais, débil, inválidos, ceguinhos e tantos outros, sem qualquer tipo de preocupação com o seu emprego ortográfico ou, em conversas cotidianas, retratando conceitos que reforçam preconceitos, gerando os estereótipos.

Um dos termos mais usados, ainda de forma discriminatória, é o verbete “excepcional”. Ele surgiu na década de 1960 por iniciativa da psicóloga Helena Antipoff (1892-1974), quando crianças eram, até então, rotuladas com termos pejorativos como anormais, retardadas, insuficientes, revoltadas, dando ideia de algo definitivo, irremediável, sem solução, como se nada pudesse ser feito por elas – afinal, a partir do pressuposto biológico, essas crianças já nasceriam com tais características.

E, visando uma adoção de um termo neutro, utilizado em relação a todas as crianças que de alguma forma fugissem da norma, precisando de atenção especial, Antipoff passou a intitulá-las de “excepcionais”, ou seja, aquelas crianças e adolescentes que se desviam acentuadamente para cima e para baixo da norma de seu grupo, em relação a uma ou a várias características mentais, físicas ou sociais, ou quaisquer dessas, de forma a criar um problema essencial com referência à sua educação, desenvolvimento e ajustamento ao meio social.

Há muitas divergências entre os dicionários. Em alguns, “excepcional” é algo que ultrapassa os limites, sendo digno de nossa admiração; em outros, trata-se de indivíduos com “problemas” totalmente fora dos padrões, considerados “anormais” pela sociedade.

E com isso, o verbete todos esses anos veio sofrendo uma conotação mais negativa do que positiva. Hoje, quando se diz que uma pessoa é “excepcional”, estamos dizendo, ao mesmo tempo, que ela é uma exceção na sociedade, ou seja, que é alguém que deve ficar de fora. Mas a pessoa com deficiência é apenas uma pessoa com algumas limitações e, mesmo com essas limitações, pode conviver em sociedade, desde que haja adaptação a esta convivência.

Desde 1981 (Ano Internacional da Pessoa Deficiente), organismos ligados à ONU fazem uma avaliação dos termos utilizados em todo o mundo, e sempre taxaram o termo “excepcional” como altamente preconceituoso. Porém, não entendo como muitas instituições e órgãos que se dizem representantes legais dos movimentos pela inclusão escolar e social continuam usando esse termo de forma discriminada.

Os cursos de graduação em Psicologia também mantêm o título de uma de suas disciplinas como “Psicologia do Excepcional”. Sem mencionar, ainda, a famosa “Semana do Excepcional”, realizada sempre no final do mês de agosto, que traz no próprio título o estigma que deseja combater.

Já adotei em meus trabalhos um termo mais aceitável em língua portuguesa. Segundo os movimentos mundiais, incluindo o Brasil, após amplos debates, o nome pelo qual essas pessoas desejam ser chamadas é “pessoas com deficiência” em todos os idiomas. Esse termo foi adotado como sendo o correto pela “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde”- CIF, da Organização Mundial de Saúde, de 2003, Anexo V da edição brasileira.

Em seguida, foi incorporado ao texto da “Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência”, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 2005, e promulgada posteriormente através de lei nacional de todos os Países-Membros. Diante do exposto, comecei a concluir que não necessitamos criar ou fortalecer uma espécie de “Pedagogia ou Psicologia da Pessoa com Deficiência”, pois essas pessoas, principalmente do ponto de vista psicológico, não constituem um grupo à parte, homogêneo da população geral.

Segundo dizia minha amiga, a psicóloga Lígia Assumpção Amaral (1941-2002), “essas pessoas, apesar da deficiência em diferentes graus e diferentes áreas, mantêm a característica compartilhada por todos os seres humanos: não são iguais entre si. Assim como as diversas deficiências não são iguais entre si, para além delas a singularidade de cada um é. Não sendo um grupo à parte, não há por que postular-se teorias e técnicas exclusivas. Não sendo iguais entre si – enquanto deficientes e enquanto pessoas – há que se estar atento às especificidades de cada deficiência e à singularidade de cada pessoa”.

Revendo os ensinamentos deixados pela mestra Lígia, já há algum tempo concluo que o papel da Psicologia é apoiar as pessoas com deficiência em sua normalização ou adequação em todas as atividades, sem restrição. Não ter como foco principal a pessoa propriamente dita, mas atuar em amenizar conflitos, dificuldades geradas pelas particularidades de cada deficiência, visando estimular a pessoa a superá-los e tornar-se alguém equilibrado e incluído totalmente na sociedade, mesmo que essa inclusão precise de algumas adaptações para que essa pessoa consiga fazer, ao seu modo, as coisas que as demais fazem em uma equiparação de oportunidades!

Não temos a necessidade de sustentar a existência de uma subárea específica chamada “Psicologia da Deficiência” (ou em pior grau, manter-se o título “Psicologia do Excepcional”!). Que as disciplinas acadêmicas que ministram essa temática deixem de ser meramente uma obrigação curricular e teórica a cumprir na grade dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. É necessário desenvolver uma nova mentalidade em estimular uma linha de trabalho, no qual o papel do psicólogo seja intervir na busca da superação das limitações, proposta apresentada já há quase 90 anos pelo psicólogo russo Lev Vygotsky.

Estaremos, assim, realmente criando um relacionamento prático entre a “PSICOLOGIA E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA”.

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