Você sabia que é possível chegar ao topo da montanha mais alta da Europa de trem? Isso significa que, com alguns ajustes, é possível uma pessoa que utiliza muletas ou cadeira de rodas subir até o ponto mais alto do velho continente. Por isso fui até a Suíça conhecer o Jungfrau, um alpe a 4.158 metros de altura.

Quando busquei informações sobre este que é um dos passeios mais famosos do país, encontrei muitos textos que diziam que o local era acessível para pessoas com deficiência ou com dificuldade de locomoção. Eis aqui minha experiência:

Como chegar

Para ir à Jungfrau primeiro é necessário pegar um voo até a Suíça. Tem voos diretos saindo do Brasil e há promoções com frequência. Depois de pousar na Suíça é necessário chegar à Interlaken, um vilarejo lindo de onde privilegiadas 5.319 pessoas vivem com vista para os alpes. Ali, é possível encontrar uma série de hotéis, hostels cafés e restaurantes em sua maioria acessíveis.

Para se ter uma ideia, os valores de trens partindo de Zurique até Interlaken variam de 20 a 60 euros o trecho dependendo do horário e do período do ano. Durante as pesquisas de preço, descobri o Bla Bla Car, um aplicativo de caronas muito utilizado nos países europeus. A viagem é feita por motoristas que já fariam esse percurso e, então oferecem uma carona por um baixo valor. No aplicativo, você consegue ver as avaliações do motorista e consegue também combinar tudo com ele antes, momento em que você pode explicar que precisa de uma ajuda ou adaptação se for o caso.

Marcamos de nos encontrar em frente à loja de conveniência de um posto de gasolina bem próximo ao aeroporto, dava para ir à pé. Tirando o fato de que estava no fim da viagem, com um mochilão que já ultrapassava os 13 kg nas costas, não seria difícil chegar até lá.

Daniel chegou, e iniciamos a viagem de quase duas horas, e que nem dá pra sentir. Assim que entrei no carro, ele ofereceu um Rivella, o refrigerante que aparentemente todos os suíços adoram e que ele jura ser à base de leite, apesar de o sabor, no meu paladar, se sair à uma mistura de chá com guaraná com cerveja. Mas vale experimentar.

Interlaken

No caminho, Daniel foi muito gentil, me ajudou quando necessário e explicou curiosidades sobre a cultura do país, histórias e até mesmo uma base sobre a formação geográfica daquela região de águas verdes cristalinas. A cor da água, inclusive, não é mero acaso. Fruto de degelo e de uma diversidade de substâncias orgânicas que descem das montanhas, qualquer lagoa é um estonteante cenário para fotos.

Ao chegar no destino final, quase tropecei nas muletas tão boquiaberta estava. O hostel em que fiquei hospedada está em frente à principal pracinha do centro da cidade. Ali, há um ponto com paraglidings que misturados aos pássaros e às montanhas ao fundo formam um colírio para os olhos.

Hospedagem

O Backpackers Villa Hostel é uma das opções de hospedagem com melhor custo benefício da cidade. Apesar dos dormitórios compartilhados, também é possível se hospedar em quartos individuais – e com vista para os alpes.

O local, que é acessível, possui um elevador (que funciona – importante ressaltar quando o assunto é turismo) e rampas, é novo e muito bem estruturado, por isso recomendo.

O quarto em que fiquei era para seis pessoas distribuídas em três beliches. Pedi para ficar na cama inferior e foi bem tranquilo. Os banheiros (um apenas com ducha e outro com vaso sanitário e a pia) são compartilhados apenas com aqueles que ficam no quarto. Há também aquele detalhe que não há mochileiro que não goste: lâmpadas, tomada e uma pequena prateleira em cada cama.

O Villa ainda disponibiliza moedinhas de brinde para trocar por bebidas no hall de entrada e um jardim delicioso, com árvores, espreguiçadeiras e claro, com montanhas ao fundo.

Também no hall de entrada ficam duas televisões onde são transmitidas imagens ao vivo do topo de Jungfrau e de outros mirantes que também podem ser alcançados de trem. A ideia é que você possa ter uma noção de como está o tempo e a visibilidade, já que é muito comum que as nuvens encubram os mirantes sendo possível ver um total de zero paisagens mesmo estando lá em cima.

Em um dos dias em que precisei acordar às 5h da manhã e, portanto, antes do horário do café, as recepcionistas foram super gentis e me deram uma fruta, um pãozinho e uma caixinha de achocolatado para que eu pudesse sair com algo no estômago no dia seguinte. Ou seja, local mais recomendável, impossível.

Trajeto até o topo

Há duas estações de trem na cidade de Interlaken. Para ir à Jungfrau é preciso partir da estação chamada Interlaken Ost (oeste em alemão). Ali mesmo é possível comprar o ticket para a subida. É importante observar que não há trem direto e é necessário fazer ao menos duas baldeações – bem tranquilas – para chegar até o topo.

No entanto, existe todo um sistema de linhas férreas que faz o trajeto não apenas de Interlaken à Jungfrau mas que dão acesso a vários outros cenários de filme e vilarejos que são uma gracinha no verão e se transformam em estação de esqui no inverno (muito inclusive tem esqui adaptado).

Para os menos endinheirados como eu, há um segredo que ajuda a economizar na hora de comprar o passe para subir até o topo da Europa. Isso porque o valor padrão do bilhete para ir e voltar de Jungfrau sai pela bagatela de 210 euros. No entanto, se você embarcar nos dois primeiros trens da manhã (em torno das 6h30 e as 7h), o valor cai para 85 euros.

É o chamado Good Morning Tickets, a única diferença é que você precisa descer do mirante de Jungfrau (o trajeto pontilhado no mapa acima) até as 13h. Mas você pode, da mesma maneira, usufruir das outras linhas de trem, descer e subir em todas as outras paradas sem limite de tempo.

Saindo de Interlaken, há duas vias possíveis para atingir o topo, sendo elas:

Interlaken – Grindelwald – Kleine Scheidegg – Jungfrau

Interlaken – Lauterbrunnen – Kleine Scheidegg – Jungfrau

A maioria das pessoas vão te indicar para fazer a ida por Grindelwald e a volta por Lauterbrunnen. E elas têm razão. Isso porquê a primeira cidade, apesar de ser uma graça, não tem muitas atrações, ao contrário de Lauterbrunnen que é um lugar mágico permeado por cachoeiras, e você também pode parar nos vilarejos vizinhos que não deixam por menos.

Independente do trajeto que você escolher, a baldeação na estação de Kleine Scheidegg é obrigatória, não só porque é importante para a continuidade do trajeto, mas porque o lugar vai te proporcionar uma vista de tirar o fôlego com a sensação de estar, nestas palavras, aos pés dos alpes. Aproveite que está ali para fazer algumas das trilhas que há entre um vilarejo e outro.

Muitas pessoas deixam de fazer certos trechos de trem para fazê-los caminhando em um trajeto de baixíssima dificuldade. As subidas ali não são íngremes e não há pedras ou quaisquer obstáculos pelo caminho. Então muitos trechos podem ser feitos caso você utilize uma cadeira de rodas. Se quiser, você também pode apenas ficar sentado em alguns dos bancos dispostos no local, iluminando seus olhos.

Jungfrau

Pouco antes de o trem atingir o topo de montanha, há uma pequena parada de cinco minutos onde você pode sair para observar o gelo sobre a montanha através de um vidro ou ir ao banheiro. Ali, já é possível sentir e ver a neve de perto mesmo no auge verão, e é ali também que você já pode começar a colocar os casacos que estavam na mochila (sim, você vai precisar de roupa para neve mesmo se for no verão).

O mirante tem uma estrutura e tanto. Você pode escolher dentre diferentes atividades, desde conhecer a loja da Lindt a visitar o palácio de gelo (que é de fato muito gelado) e muito escorregadio e não, não tem corrimão, o que pra mim foi bem ruim, mas não fez falta porque meu foco era ver a neve, então fui logo atrás dela.

Ao pedir informação ali dentro, os funcionários tendem a te instruir a passar por todo o percurso do mirante. Para o que eu queria foi uma perda de tempo, já que não tinha interesse nas outras atrações. Por isso, é bom observar o mapa que te entregam junto com os tickets, assim você pode observar também onde estão todos os elevadores. Caso você prefira ou caso seja necessário, pode solicitar a companhia de algum dos instrutores que são bem solícitos e podem auxiliar lá dentro.

Depois de ter tentado entrar no palácio de gelo e sair de lá quase congelando e me rastejando, já que não há onde se apoiar, fui logo ver a neve real. A primeira coisa que aconteceu? Pisei nela e escorreguei. Já havia caminhado sobre neve e nunca tinha visto tão escorregadia. Alguns disseram que era culpa do verão e que os raios solares junto ao vento deixam a neve ainda mais escorregadia além de suja. Outros dizem apenas que é porque trata-se de um glaciar.

Então a dica para quem não vai estar de cadeira de rodas é levar sapatos mais apropriados com bastante atrito e comprar ponteiras de muletas ou bengalas para a neve (sim, existem adaptações pra isso, mas só descobri que existia ao escrever esse texto).

Raio X da acessibilidade

No principal mirante onde se pode acessar a neve, há um pequeno corrimão apenas na porta de entrada. Em volta, há cordas por todos os lados preservando o local que pode ser acessado pelos turistas, uma medida de segurança principalmente no verão, quando há buracos no gelo. Ali, todas as pessoas, independente, de suas condições físicas, estavam com dificuldades de caminhar, muitos caíram, e os mais idosos – grande parte do público presente – que não tinham sapatos adequados sequer conseguiram aproveitar.

No meu caso, dei dois jeitinhos. Logo no primeiro tombo aproveitei que estava ali e já fiz minhas fotos rolando no gelo. O outro foram dois alemães que havia acabado de conhecer e que me ofereceram seus ombros e me apoiaram até os outros prontos do mirante. Foi lindo e sou muito grata a esses anjos que surgem no meio do caminho, mas um corrimão para apoio ali seria mais inclusivo.

A maioria das estações de trem possuem rampas ou elevadores. Os funcionários também estão à disposição para quem precisar de informação ou daquela ajudinha extra nas principais paradas. O último trem que dá acesso à Jungfrau é mais estreito e tem degraus maiores, mas há um sistema de elevador para quem precisar.

No mirante, há elevadores, mas junto a alguns deles, há um erro crucial: em alguns pontos eles só podem ser acessados com a chave de um funcionário – então, ao chegar é bom se certificar que terá alguém no local.

Jéssica Paula é jornalista e viaja o mundo de muletas. Já visitou 34 países e quer mostrar que pessoas com deficiência também podem desbravar todos os cantos deste planeta.