Foto: Em preto e branco está Garrincha no Maracanã com a camisa do Botafogo em posse da bola e um adversário ajoelhado olhando: Divulgação/internet. 

Mesmo que você não goste de futebol, você já ouviu falar de Garrincha, o “Anjo das Pernas Tortas”, definido assim por Carlos Drumond de Andrade.

Manuel Francisco dos Santos (1933–1983) nasceu na cidade de Pau Grande, distrito de Magé, no Rio de Janeiro. De origem humilde, cresceu numa família de 15 irmãos. Depois de se destacar na várzea, marcou seu nome na história do futebol como jogador do Botafogo onde conquistou inúmeros títulos. O sucesso o levou para a Seleção Brasileira, onde conquistou as Copas de 1958 na Suécia e 1962 no Chile.

Foto: Garrincha na Copa de 1962 com a camisa da Seleção Brasileira. Foto: Internet/Divulgação

O apelido Garrincha veio de um pássaro que ele gostava de caçar na infância. Em qualquer texto que lemos sobre ele é contado que ele infernizava as zagas adversárias com “suas pernas tortas e dribles rápidos”. Inclusive, essas características o levaram a ser o melhor ponta-direita do mundo em 1958, após a conquista da Copa do Mundo.

O “Anjos das Pernas Tortas”, definido por Drumond, era apenas um recurso linguístico para não falar que Garrincha tinha uma deficiência física em decorrência de uma poliomielite.

Foto do pássaro Garrincha, também conhecido como corruíra, em outros estados brasileiros. Foto: Divulgação Internet 

A poliomielite foi um episódio epidêmico no Brasil a partir dos anos de 1904, mas somente a partir dos anos de 1980, por meio de vacinação que chegou ao país em 1955, conseguimos controlar a doença no Brasil, e desde 1989 não registram-se casos no país. No entanto, os registros oficiais dizem que o país teve mais de 26 mil casos da doença.

Entre as sequelas da poliomielite estão deformações físicas, no caso de Garrincha, ambas as pernas eram tortas para a esquerda. Ele era destro, e mesmo com essa condição física, tornou-se um dos maiores dribladores da história, sendo colocados por muitos como o segundo do mundo somente atrás de Pelé.

Pelé e Garrincha juntos. Pelé com a camisa dos Santos e Garrincha com a camisa do Botafogo, a foto é em preto e branco. Créditos: Divulgação/InternetAlém disso, há textos que contam que a sequela da pólio causou em Garrincha uma distrofia muscular e que sua perna direita era 6 centímetros mais curta.

Foto que mostra as pernas “tortas” do Garrincha. Internet/Divulgação 

O silêncio sobre a deficiência de Garrincha pode ser vista sob vários vieses, pois há de se considerar a época, já que naquele momento (assim como hoje) não se discutia a deficiência abertamente e com profundidade, ficando apenas na ótica da “incapacidade”, “superação” e tudo aquilo que já estamos cansados de ouvir e falar.

Outro ponto é o sucesso: campeão no clube, campeão na seleção, melhor jogador do mundo, reconhecido pelo desempenho em campo. Então por que falar sobre isso? Por que falar sobre pólio e suas sequelas? Por que desconstruir o mito do “Anjo das Pernas Tortas” e trazer à tona um cidadão vítima social de uma doença e de um governo que sempre deixou a população mais pobre à margem da sociedade?

Inúmeras são as razões para o silêncio social da época sobre o “apagamento” da deficiência do Garrincha, mas hoje discutir a deficiência dele, seu posicionamento e o posicionamento social sobre é fundamental, pois só assim vamos avançar em políticas de inclusão, visibilidade e identidade da pessoa com deficiência.

Quantos Garrinchas nós temos hoje sem identidade, sem referência, sem oportunidade. O “Anjo das Pernas Tortas” poderia ter iluminado a vida de muitos e mostrado que diagnóstico não é destino, e principalmente, que o melhor caminho para a inclusão é o diálogo.