Brendo* era um menino saudável até protagonizar um ato heroico aos 12 anos de idade. Após escapar do incêndio que tomou conta da casa em que morava, percebeu que a irmã mais nova ainda estava no meio do fogo e voltou para resgatá-la.

Ele conseguiu salvar a menina, mas como respirou muita fumaça, ficou com paralisia cerebral em decorrência da falta de oxigenação no cérebro durante o resgate. O garoto não anda mais, não fala e precisa de ajuda para se alimentar. Por exigir cuidados constantes, foi abandonado pela família.

Brendo, que hoje tem 14 anos, mora e recebe cuidado e carinho na Associação Cruz Verde, instituição filantrópica de São Paulo que atende crianças, jovens e adultos com paralisia cerebral grave de todo o Brasil. 

Laura* também chama de casa a Associação Cruz Verde e, assim como Brendo, nasceu saudável. Quando tinha apenas um ano e meio, o padrasto chegou alcoolizado em casa e a arremessou contra a parede; o trauma físico resultou em paralisia cerebral. A garotinha é mais uma que faz parte da estatística dos pacientes que não recebem visita dos familiares.

Ana* nasceu com paralisia cerebral e foi abandonada no hospital ainda bebê, aos oito meses. O pequeno Carlos também tem paralisia cerebral e foi internado pela mãe na Associação Cruz Verde, que nunca mais voltou para vê-lo.

João Augusto Soares chegou à Associação Cruz Verde com três anos de idade, depois de morar em um abrigo. Por ter paralisia cerebral, era maltratado por um tio. Na época, estava com peso muito abaixo do normal para sua idade, já que nunca pode se alimentar normalmente, se nutre por meio de uma sonda.

Hoje com 13 anos, João tem dificuldades para articular as palavras, mas frequenta as aulas que acontecem de segunda à quarta-feira dentro da associação e é um dos melhores alunos. Além disso, gosta de rever a novela infantil “Chiquititas”, do SBT, e é amigo inseparável de Sara*, uma espoleta garotinha de seis anos, que também não recebe visistas.

Além da paralisia cerebral, João tem uma doença degenerativa e insuficiência respiratória, que exigem atenção ainda mais constante.

Cercado por profissionais competentes e carinhosos, e que preenchem todo o afeto que lhe foi negado na infância, João sente-se em casa e chama de mãe a auxiliar de enfermagem do período noturno, Cleide.

Setenta por cento dos 204 internados em tempo integral na Associação Cruz Verde são abandonados pelas famílias. A instituição filantrópica também presta 1.800 atendimentos por mês a crianças que, levados por seus pais ou responsáveis, passam o dia fazendo tratamentos de reabilitação.

Entenda a paralisia cerebral

A neuropediatra do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, Adriana Mandia, explica que a paralisia pode acontecer na gestação, na hora do parto ou depois dele. “É uma condição neurológica resultante de uma perturbação do sistema nervoso central. Essa perturbação gera uma sequela.”

Um parto prematuro, um trauma materno – como um acidente -, algum problema na hora da anestesia para o parto, eclâmpsia, sepse, asfixia na hora do nascimento ou até mesmo casos graves de icterícia podem causar paralisia cerebral, diz Adriana.

Segundo a médica, a paralisia é um quadro estável que não vai piorando com o tempo. “O comprometimento é mais motor, de movimentação, mas pode também ser intelectual”, diz ela. Quem não tem o intelecto afetado, cresce com a inteligência normal, sem prejudicar o aprendizado. Para se desenvolverem, as crianças devem ter um acompanhamento multidisciplinar com neuropediatras, fonoaudiólogas e terapeutas ocupacionais, diz a médica.

Por ser uma doença em que a notificação não é compulsória, é difícil estimar a incidência da paralisia cerebral no Brasil.

Associação Cruz Verde depende de doações 

Para manter os 204 pacientes internados, realizar mais 1.800 atendimentos mensais a externos e manter todos os profissionais envolvidos, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, enfermeiros, médicos e dentistas, o custo é alto. Segundo a superintendente Marilena Pacios, o gasto mensal é de R$ 1,1 milhão.

Metade desse valor é bancado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a outra metade é proveniente de doações. Marilena relata que não é fácil arrecadar mensalmente mais de meio milhão de reais para bancar o trabalho bem-feito.

“Nossa proposta de trabalho tem o pilar afetivo, que é muito preocupado com o carinho e o amor, já que precisamos fazer com que a carência afetiva seja preenchida, uma vez que eles (pacientes com paralisia cerebral) passam os dias aqui”, conta Marilena.

Qualquer pessoa pode doar para Associação Cruz Verde em prol das pessoas com paralisia cerebral grave. A superintendente conta que há o programa do Sócio Amigo, em que um doador se associa e recebe um boleto no valor que deseja doar mensalmente na casa ou no local de trabalho.

Outra ação que está sendo promovida pela associação é com escolas particulares, em que o responsável recebe o boleto da mensalidade e um boleto da associação, pedindo a doação de R$ 20.

A associação também aceita doações de alimento não perecível.

*Os sobrenomes não foram mencionados para resguardar a identidade dos entrevistados.

Fonte: Tribuna da Bahia