Aproveitando-se de sua experiência como cadeirante tetraplégica há mais de 20 anos, Adriana Lage dá dicas para ajudar um cadeirante em algumas situações.

Adriana Lage.

O texto de hoje foi sugestão da minha amiga Fabiana Sugimori. Ela, que é cega, sempre dá dicas, em suas palestras, para que as pessoas possam lidar com deficientes visuais sem problemas. Já escrevi várias coisas sobre isso, principalmente em meus textos sobre ajudas atrapalhadas. Mas não custa relembrar!

Na internet, existem muitos textos sobre isso. A Revista Sentidos, em cada edição, também traz essas dicas. Aqui abordarei os assuntos que acho mais relevantes.

TOM EM... VIDA DE CADEIRANTE

Como carregar um cadeirante?

Ri demais de um texto, que li no Blog do Cadeirante, onde ele explicava sobre as principais diferenças entre o cadeirante fêmea e o cadeirante macho. Mesmo estando sob a mesma condição de cadeirante, homens e mulheres possuem suas particularidades. Nunca devemos nos esquecer disso! Por exemplo, o que fazer quando é preciso carregar um cadeirante? Existem algumas formas de se fazer isso. A minha preferida é ser carregada no estilo noiva. Aí entra a vantagem de ser mulher e pesar menos de 50 kg.

Sempre encontro algum homem disposto a me carregar. Nesse tipo de carregamento, apenas uma pessoa entra em contato físico com a gente. Felizmente, são raros os casos em que o ajudante engraçadinho resolve tirar uma casquinha! Mas quando se trata de um cadeirante, nem sempre é viável esse carregamento.

Certa vez, estava indo a um barzinho com minha irmã caçula e prima. Quando ia sair do carro, apareceu um homem lindo e ofereceu ajuda pra me tirar do carro. Minha prima, na mesma hora, dispensou o garoto. Eu reclamei e disse que era maldade dispensar um gatinho! Ela me respondeu dizendo que havia dispensado o menino porque eu estava de vestido.

Nem tinha me lembrado disso! Mas, depois disso, criei uma senha. Sempre que falo a palavra mágica, a ajuda acontece. Assim, nunca mais tivemos problemas de comunicação.

Por falar em vestido, quando forem ajudar uma cadeirante, sempre se lembrem desse detalhe! É preciso carregá-la com modos de forma a evitar que faça um strip público e gratuito. Nem sempre saímos de casa com a melhor das lingeries! Cansei de fazer exposição da minha figura por causa da incompatibilidade entre usar vestidos e ser carregada. Atualmente, procuro me prevenir usando um shortinho, meia calça ou uma calcinha bem fashion.

Carregar uma cadeirante de vestido não é nenhum bicho de sete cabeças. Basta se lembrar de prender o vestido junto com as pernas. Uma coisa que já reparei é que alguns homens ficam sem graça de ajudar quando a mulher está com as pernas à mostra. Muitos já me falaram que não iriam me oferecer ajuda, pois ficariam chateados se sua filha, mãe, irmã ou mulher fosse carregada por um desconhecido, sabendo que este encostaria nas suas pernas.

Pelo sim, pelo não, já que preciso sempre de ajuda para realizar minhas transferências, tenho evitado usar vestidos para ir trabalhar. Assim não deixo os bombeiros que me carregam sem graça e nem corro o risco de fazer um strip no banco.

A segunda forma que mais me agrada nos carregamentos é aquela em que uma pessoa segura meu tronco e outra carrega minhas pernas. Essa é a forma mais indicada para se carregar uma pessoa. No Sarah, eles sempre recomendam isso, pois, nesse caso, a coluna dos ajudantes ficará menos comprometida.

Um inconveniente que vejo nessa opção é que algumas pessoas se esquecem que nós, mulheres, temos o peito sensível. Já cansei de ter meus seios amassados. Quando se está de TPM então… dá pra ver estrelas. Na primeira vez em que fui ao salão de beleza que frequento hoje, quase chorei de tanto rir do meu cabeleireiro.

Quando foi me carregar dessa forma, eu comecei a escorregar e ele teve que me laçar pelo peito pra que não caíssemos. Ele morreu de vergonha. Falou que eu nunca mais voltaria ao salão após ter sido assediada por ele. É claro que, em alguns casos, esse tipo de amasso acontece e é inevitável. Mas, quando forem ajudar alguma cadeirante, lembrem-se desse detalhe!

cadeira

Outra forma de se carregar um cadeirante, também com a ajuda de duas pessoas, é a seguinte: cada pessoa carrega um lado do corpo. Por exemplo, o cadeirante passa um braço no pescoço de cada ajudante. O ajudante da esquerda carrega a perna esquerda do cadeirante e, a outra pessoa, a perna direita.

Nesse caso, é preciso sincronismo entre os ajudantes. Caso contrário, problemas à vista. Já passei por situações engraçadas e vexatórias com esse tipo de carregamento. Num dia, por exemplo, ao descer de uma van, estava com as pernas tão abertas que parecia estar em trabalho de parto ou fazendo exame ginecológico.

Não sou muito a favor de receitas. Pra mim, a melhor opção é sempre perguntar. Em caso de dúvida ou medo, nada melhor do que perguntar ao cadeirante qual a melhor maneira de ajudá-lo. Assim, evitamos ajudas atrapalhadas e situações que possam deixar alguém envergonhado.

Vale lembrar que os cadeirantes se dividem em paraplégicos e tetraplégicos. Normalmente, os paraplégicos possuem muita força nos braços e conseguem realizar suas transferências de forma independente ou com pouca ajuda. As dicas de hoje valem mais para um tetraplégico.

Como conversar com um cadeirante?

É preciso lembrar que o campo de visão do cadeirante é mais baixo. Quando for conversar por longos períodos, o ideal é se sentar ou agachar para que o cadeirante não tenha torcicolo de tanto olhar para cima. Lá no banco, meus colegas de trabalho já sabem disso. Mesmo quando a conversa é rápida, eles procuram ficar num lugar onde eu não precise erguer muito meu pescoço.

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Como colocar um cadeirante na piscina?

Alguns poucos lugares possuem cadeiras elétricas ou guinchos para colocação do cadeirante na piscina. Na maioria dos lugares, o cadeirante só chega na piscina carregado. Nunca é demais lembrar que, caso a cadeirante esteja de biquini, é bom redobrar o cuidado no carregamento de forma a evitar top less.

Meu ex técnico Tiago me ensinou a pular da borda da piscina. Isso facilita bastante a entrada na água. Só que eu acho desconfortável, sem falar no tapão que a água dá no meu bumbum quando cai dentro da piscina feito uma jaca podre!

O Gustavo, meu atual técnico, já faz diferente. Ele me senta na beira da piscina, entra dentro d’água e só depois me carrega pelo tronco. Assim não corro o risco de me lesionar e evito problemas na lombar.

Durante as competições de natação, o técnico não pode entrar na piscina. Com isso, ele me carrega pelos braços para entrar na piscina. Fico flutuando de costas e ele segurando meu pé na parede até que seja dado o sinal da largada. Na hora de sair da piscina, ele me iça pelos braços. É preciso muita força! Atletas mais pesados costumam ser resgatados com a ajuda de espaguetes e de salva vidas.

Imagem de escadas e rampa convivendo em harmonia.Como subir / descer escadas?

Escadas ou um simples degrau são verdadeiros transtornos na vida de um cadeirante. No mundo ideal, que espero existir um dia, as escadas nunca seriam utilizadas pelos cadeirantes. Apenas rampas, elevadores e plataformas. Como isso ainda não é viável, tenho três opções quando preciso subir/descer escadas:

1 – Ajuda de apenas uma pessoa.

Até hoje, só tive coragem de fazer isso com o Tiago e com o Gustavo, já que a academia onde faço natação não é adaptada. Os dois aprenderam a subir/descer a escada sem precisar de ajuda. Eles sempre brincam que é a hora da musculação. Para tanto, eles empinam a cadeira e utilizam apenas as rodas grandes. Sempre fazem isso com muito cuidado. Felizmente, até hoje, nunca tivemos um acidente.

Quando estudava na PUC, tentei fazer isso com meu pai. Por sorte, testamos na primeira parte da escada, que era pequena. A cadeira acelerou e fomos parar na parede!

2 – Duas ou mais pessoas ajudando.

Quando a escada é larga, costumo ser carregada por duas ou mais pessoas. Assim o peso fica bem dividido. O problema é contar com a sorte e sincronismo dos ajudantes. Qualquer passo em falso é um desastre. Meu joelho se lembra até hoje do meu tombo na escadaria da PUC com três colegas!

Quando são apenas duas pessoas, pode-se fazer de duas formas: na primeira, cada pessoa carrega um braço da cadeira (digo o lugar onde a pessoa empurra a cadeira de rodas) e um pé da cadeira (lembrete: sempre pergunte ao cadeirante em qual local poderá segurar na cadeira sem que ela se solte). Ou seja, uma pessoa cuida do lado direito e a outra do lado esquerdo da cadeira de rodas. Particularmente, não gosto muito dessa opção.

Na segunda opção, uma pessoa carrega a parte de cima da cadeira e a outra o local de colocar os pés. Eu me sinto mais segura nessa opção, mas sempre complica pra quem carrega os pés. Às vezes o pé da cadeira tromba nos pés da pessoa e aí salve-se quem puder. Quando fui fazer minha pós graduação, tive que subir escadas dessa forma. O ajudante que levava os pés caiu de bunda no chão, quando faltavam apenas dois degraus. Por sorte, o outro ajudante segurou a cadeira e evitou nosso tombo.

Outra opção alternativa seria descer com a cadeira empinada, com as rodas tocando cada degrau, e ter a ajuda de outra pessoa só pra dar um apoio psicológico e ajudar em caso de emergência. Como diz minha irmã caçula, a segunda pessoa só faz figuração. Só finge que ajuda! Segura o pé da cadeira só pra dar um apoio psicológico.

Quando a escada é estreita, tenho preferido subir/descer carregada no colo e deixar que outra pessoa leve a cadeira de rodas vazia. Fica bem mais seguro!

3 – Três pessoas.

Na minha época de faculdade, sempre usava essa opção. O ajudante mais forte e alto levava a parte de trás da cadeira. Outro ajudante segurava no lado direito da cadeira (geralmente, na barra próxima ao assento) e o último segurava o lado esquerdo. Nesse caso, é preciso contar com a sorte e rezar muito para que os ajudantes tenham sincronismo e cuidado. Vocês não imaginam o barulho que faz uma cadeirante com três homens caindo escada abaixo! Paramos o prédio 34 nesse momento… o ideal nessa opção é que sempre deixem a pessoa mais forte carregar a parte de trás da cadeira. Os carregadores laterais devem ter alturas semelhantes.

Por conta dos inúmeros sustos que passei sendo carregada em escadas, tive que recorrer à utilização de cintos de segurança! As pessoas morrem de rir de mim, mas sempre ando com eles. Melhor pagar o mico de andar amarrada do que correr o risco de cair e me machucar.

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Como subir / descer rampas?

Muitas pessoas leigas acham que a rampa é a salvação do cadeirante. Melhor uma rampa íngreme e esburacada do que uma escada. Na verdade, as coisas não são bem assim! A rampa só é segura e confortável quando respeita a inclinação prevista nas normas da ABNT. Já passei sustos em rampas tão íngremes a ponto de empinar a cadeira de rodas motorizada. Nem preciso dizer que, nesses casos, a rua toda ouviu meus gritos de susto!

Lembrem-se sempre que, ao descer uma rampa, além de ter a certeza que seu sapato não escorregará e de se sentir apto pra isso, desça sempre de ré. Para subir uma rampa, suba com a cadeira de frente pra rampa.

É sempre bom contar com pisos antiderrapantes. Em caso de receio, nunca tenha medo de falar que não se sente apto para ajudar a pessoa. Melhor ser sincero do que dar uma de super herói atrapalhado. O cadeirante, a menos que seja um ser de pouca luz, entenderá na hora e te agradecerá.

Como subir / descer um degrau?

Para descer um degrau com segurança, a cadeira de rodas deve ser puxada de ré. Já na subida, pise no ‘tubo’ inferior da cadeira para empiná-la e suba de frente. Tentar subir um degrau de ré costuma dar bons arrancos no pescoço do cadeirante.

Nunca puxe a cadeira de rodas sem avisar o cadeirante.

Tinha uma ‘amiga’ na Cemig, na minha época de estágio quando estava no CEFET, que adorava puxar minha cadeira de rodas quando eu estava distraída e de costas pra ela. Um dia cheguei a cair tombada na mesa. Ao longo dos anos, melhorei bastante meu equilíbrio. Mas ele ainda é bem fraquinho. Semana passada, quase matei meu amigo de susto. Estávamos trabalhando, eu concentrada com meus programas, quando ele puxou minha cadeira de rodas para me dar uma carona até a sala de reuniões. Eu dei um pulo e meus braços caíram sobre a mesa fazendo um barulhão. O menino ficou vermelho de vergonha. Mas eu é que estava mole demais e bem distraída. Agora, lá no banco, sempre que vão me dar uma carona e estou de costas pra pessoa, eles me avisam!

Nunca tenha medo de utilizar palavras como correr, andar e pular.

Tem gente que morre de vergonha e falta de graça quando, conversando comigo, utiliza expressões como: vamos dar uma corridinha ali, vamos andar até no shopping ou vamos dar um pulinho na casa de fulano?

Não se preocupem! Cadeirante é gente como qualquer pessoa e utiliza as mesmas palavras. Da mesma forma que um cego utiliza o verbo ver, nós, cadeirantes, utilizamos os verbos andar, pular, correr, dançar, etc.

ACESSIBILIDADE (1)

Ao convidar um cadeirante para algum evento, procure verificar a acessibilidade do local.

A boa educação manda verificar a acessibilidade do local quando for convidar pessoas com deficiência. Evite locais com acesso complicado. Caso isso seja inevitável, avise ao convidado com deficiência sobre as condições do local previamente. Assim, ele poderá decidir se irá ou não, já sabendo o que encontrará no local. Desse jeito, evitaremos qualquer saia justa.

Outros inimigos dos cadeirantes são os carpetes e tapetes. Sempre que viajo, peço para retirarem os tapetes dos quartos onde me hospedo. Dos carpetes, nem sempre posso fugir. Mas procuro evitá-los.

Pergunte sempre ao cadeirante qual a melhor forma de ajudá-lo e como fazê-lo.

A conversa é sempre o melhor caminho. O ideal é sempre oferecer ajuda ao cadeirante perguntando qual a melhor maneira de fazer isso. Nem todas as pessoas precisam ou gostam de ajuda. Não fique chateado caso a ajuda seja recusada!

Para finalizar, uma dica da minha mãe e da minha irmã: Nunca dê ouvidos aos dramas, exageros e reclamações.

Enfim, espero que essas dicas sejam úteis para marinheiros de primeira viagem. Elas servem para dar uma ideia de como agir. Mas vale lembrar que a conversa e a naturalidade são sempre a melhor opção!

Fonte: Rede Saci