Créditos: Marcio Guissone

O barulho metálico das espadas se tocando na  disputa pelo primeiro lugar, ecoa ao fundo, da quadra, como se fizessem a sonoplastia enquanto Jovane contava sua história.

“Um dia estava indo, estava na BR, estava indo pra Porto Alegre, e aí fui surpreendido por dois elementos na BR, onde me pararam, anunciaram o assalto, e o motivo acho, de que não foi de reagir, foi assim… de susto mesmo. É… devo ter feito algum movimento, o cara se assustou, achou que eu fosse pegar arma, alguma coisa, e o bandido me atirou pelas costas, né?”

E os pensamentos do jovem esgrimista, de 34 anos, parecem voar ao relembrar toda sua trajetória. Até esse momento em que aguardava sua vez de jogar pela I Copa Brasil de Esgrima em Cadeira de Rodas, no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, em São Paulo.

Nascido no interior do Rio Grande do Sul, em Barros Cassal – cidade há 260 km de Porto Alegre, Jovane Silva Guissone, trabalhou na lavoura com seus pais até os 18 anos. E então, seguiu o seu sonho de servir o exército.
Mas, o segundo, dos seis filhos, de Sebastião Guissone  e Maria Silva Guissone, precisou retornar para casa, em 2001, seu ano de baixa do serviço militar.

Créditos: Marcio Guissone

As incertezas da lavoura, como o tempo que se leva entre o plantio e a colheita, aumentavam a vontade de ter uma certa liberdade financeira, uma estabilidade com emprego fixo, e os direitos que essa condição garante aos trabalhadores.
Foi então, que Jovane, através de alguns amigos conseguiu se empregar no comércio de Porto Alegre.

Mas, em novembro de 2004, retornando do trabalho, foi surpreendido por um assalto que o deixou na cadeira de rodas.
Internado por 2 meses, o atleta, emociona-se ao contar  sobre a série de coisas que passou com o assalto, pois o projétil atingiu seu pulmão, baço, espinha e coluna; sendo necessário uma delicada cirurgia.

Em meio à emoção que tomava conta de seu semblante, mas sem perder o sorriso largo (uma de suas características) e ainda observando as disputas dos demais competidores que aconteciam ao seu redor, ele descreve o momento intenso que viveu:

“É… eu só pedi à Deus que eu não morresse, porque meu baço ficou bastante danificado, então, no início, inchou bastante. E pensei, será que é dessa vez, agora que eu vou ir? Mas Deus, foi mais forte e aí, me deu mais essa chance, e aí… eu soube aproveitar com certeza.”

Nesse instante, os olhos do atleta  ganham  brilho, e o sorriso largo fica ainda mais alegre, ao começar a contar sua carreira no esporte.

Créditos: Marcio Guissone

Ele nunca perdeu sua independência, morando sozinho, já que a família continuou no interior, provando que o uso da cadeira de rodas não o impede de fazer nada. Inclusive, se arrepende pelo tempo que perdeu isolando-se, logo após o acidente.

A prova disso, pode ser observada em sua casa na capital gaúcha. Todas as atividades cotidianas  como servir a mesa para o café da tarde, plantar árvores frutíferas e congelar a polpa dos frutos para fazer um suco. Alimentar os animais e escolher qual galinha servirá para o jantar, fazer a limpeza do quintal enquanto cuida das crianças,  ir ao supermercado para completar a dispensa, além de preparar um bom churrasco e servir o chimarrão para as visitas. São atividades diárias, realizadas com total destreza.

Jovane acredita, que faltou um pouco de estímulo e conhecimento para iniciar sua vida esportiva. Ele  começou no basquete, mas sentia-se em  dificuldade para trabalhar em equipe.

A esgrima surgiu  através de um amigo, e bastou um treino para o gaúcho se encantar pelas armas, pelas roupas e pela modalidade.

Assim, sua carreira atingiu níveis surpreendentes muito rapidamente, evoluindo a cada campeonato, aumentando números, prêmios e participações.
Guissone se recorda com carinho da primeira prova fora do Rio Grande do Sul. E mostra na fala e nos gestos  a emoção do garoto interiorano, que via os aviões passarem tão alto, em sua pequena cidade natal, realizando o sonho ao viajar em um, pela primeira vez.

Créditos: Google

A emoção retorna ao olhar, ao falar dos resultados em 2011, que o levaram a representar o Brasil nas Paralimpíadas de Londres, 2012.
“Eu sempre, tudo que eu fiz, sempre faço com muita garra, muita vontade mesmo.”, descreve.

Dedicando-se fortemente, acreditando no seu trabalho e no dos professores, ele fez em sua concepção, o que tinha que fazer, e ganhou a prova. Trouxe para o Brasil a medalha de ouro, inédita na história do país. Tornando-se assim, o único esgrimista brasileiro medalhista olímpico.

O atleta reconhece que a prática esportiva deu à ele além do título a oportunidade de ver as coisas de forma diferente passando a acreditar que podia fazer tantas coisas, como todos faziam. Atribuindo ao esporte a melhora de sua qualidade de vida, sendo uma das melhores coisas que aconteceram.

Acredita, contudo, que ainda falta divulgação para as modalidades do esporte adaptado. Consequentemente, com mais divulgação, outras pessoas com deficiência se inspirariam a praticar, além de poderem se sentir representados.

“Eu vejo assim, o nosso esporte esquecido. Merecia mais carinho”, desabafa o medalhista. Mas para ele ainda viriam muitas surpresas, como o surgimento de um amor, e a família que constituiu.

Como de costume, o campeão olímpico transparece suas emoções na face e na fala, ao contar sobre as pessoas que considera ser sua inspiração. A esposa Quelli, a enteada, considerada filha, Amanda, e o pequeno Jovane Júnior, carinhosamente chamado de “Juninho.”

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Um amor que nasceu tão rápido quanto os movimentos que realiza com a espada. Conta com graça, como rapidamente apaixonou-se, e logo decidira que era com Quelli que queria compartilhar suas vitórias.

“É… e aí, comecei a conversar com ela e tudo, e em seguida, não deu uma semana a gente estava morando juntos. Porque eu a conheci e foi incrível…”, disse. Ele relembra que a amada estava de partida para o Rio de Janeiro, e não teve receio algum para pedir que ela ficasse ao seu lado, inclusive assumindo a criação da pequena Amanda, que na época estava com oito anos.

O brilho no olhar e o sorriso largo retornam ao falar da família que construíram e de como todos são importantes na vida do garoto que um dia saiu do interior atrás de um sonho.

Créditos: Marcio Guissone

Ele , retoma um tom engraçado ao se referir ao seu cotidiano, falando dos animais que cria, e dos cuidados que tem com eles. Só segue para o treino, que realiza em casa mesmo, onde instalou alguns aparelhos; após tratar seus cavalos, galinhas, cachorros e um casal de porcos, que adquiriu recentemente.

“Não adianta. Eu sai da lavoura, mas a lavoura não saiu de mim. A gente gosta disso”, diverte-se , enquanto observa mais uma das competições da I Copa Brasil de Esgrima.

Descrevendo-se como uma pessoa que não consegue esperar, que gosta do “agora”. Ele reforça mais uma vez a questão de sua independência. Esse torcedor do Internacional RS, fala sobre os planos para o futuro e revela que ainda terá muitas aventuras pra contar.

Assim, comenta sobre o desejo de participar de mais algumas Paralimpídas, principalmente a próxima no Japão, a qual quer trazer a medalha de ouro para o Brasil. Mais uma vez, declara seu amor pela modalidade e pelo esporte, revelando que mesmo quando chegar a hora de parar de competir, ele pretende continuar com a carreira esportiva, trabalhando em outras áreas, como possivelmente a de treinador.

Demonstrando uma grande alegria e satisfação, revela as surpresas da oficialização do casamento com sua companheira. A festa que acontecerá em Barros Cassal, sua cidade natal, será um grande evento, pois não será somente Guissone e Quelli os noivos no próximo dia 09 de dezembro. Os 5 irmãos dele também se casarão, fazendo com que a comemoração tome proporções gigantescas, tornando-se o evento mais esperado e comentado da pequena cidade.

Jovane, conclui que todas as pessoas têm talento. Todos nascem com uma missão, e que sonhar faz parte sempre, conclui que uma pessoa sem sonho, é um coração vazio.

E, neste momento, despede-se seguindo para sua competição, que dura poucos minutos, e sob aplausos de quem assistia, vencendo a disputa na espada, sua arma predileta.

Créditos: Marcio Guissone

Diante de sua alegria  e carisma com todos os que estão por perto, fica evidente o orgulho dele de mais uma vez estar no pódio. Para nós, brasileiros, fica o orgulho de sermos representados por esse verdadeiro campeão.