Quatro pessoas conversam em Libras (Língua Brasileira de Sinais). Três delas, lado a lado, de frente para a imagem, e uma no canto inferior esquerdo, aparecendo somente os braços.

A pessoa com deficiência se encontra em posição bastante vulnerável no contexto da pandemia do novo Coronavírus.

Neste momento em que a pandemia do novo coronavírus impacta a vida de todas as pessoas, não podemos tratar as questões relacionadas às pessoas com deficiência de forma descontextualizada. A deficiência está assentada em uma pessoa, que pode ser mulher, homem, negra, indígena, homossexual, transsexual ou bissexual; uma pessoa que pode estar em situação de rua ou de refúgio, pode ser criança, adolescente, jovem, adulta, idosa, rica, pobre, enfim, em um indivíduo.

No entanto, independente da pessoa em que esteja ancorada, a deficiência se traduz em condição de vulnerabilidade. O conceito atual de “pessoa com deficiência” relaciona a pessoa, sua condição de deficiência (impedimento) e seu entorno. Por definição, “pessoa com deficiência” é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Esse conceito está posto na Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, o primeiro tratado internacional de direitos humanos a ser incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro. A Convenção, ratificada como emenda constitucional no país em 2008 e promulgada em 2009, fundamenta a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146, de janeiro de 2016).

Assim, compreendendo a pessoa com deficiência e relacionando-a com seu entorno, ficam evidentes as situações de vulnerabilidades no cotidiano de uma pessoa que tem impedimentos de natureza sensorial intelectual, mental e físico, que se potencializam com as condições de desigualdade vividas por todos nós, brasileiros, em todos os âmbitos.

Neste contexto, surge a questão: as orientações e ações oficiais de prevenção e a regulação de serviços considerados essenciais levam em conta as especificidades das pessoas com deficiência? Antes da pandemia já era evidente a vulnerabilidade destas pessoas, imaginemos isso em um cenário de incertezas sobre as consequências da covid-19 no mundo e no Brasil.

Somando-se à situação de vulnerabilidade durante a pandemia, temos a falta estrutura em diversas áreas e políticas públicas, principalmente a Saúde. Diante desta situação, que estratégias poderiam incluir as pessoas com deficiência no enfrentamento desta crise sanitária? Construir estratégias não é tarefa fácil, principalmente no atual contexto, marcado pelas desigualdades sociais, em que ainda não são efetivas as políticas públicas previstas na legislação vigente.

A questão fica mais complexa quando pensamos na diversidade e nas especificidades dos tipos de deficiência: físicas (mobilidade reduzida), sensoriais (deficiência visual e auditiva), intelectuais (acessibilidade na compreensão) e mentais (transtornos psíquicos e de comportamento). Cada uma delas demanda acessibilidade da informação e da comunicação, por exemplo. Tais estratégias, portanto, devem considerar, a partir do princípio da equidade, as necessidades específicas de cada pessoa com deficiência, já previstas nas legislações e políticas públicas vigentes.

No que diz respeito à prevenção entre as pessoas com deficiência física, as medidas de contenção, tais como o distanciamento social e o isolamento pessoal, por exemplo, podem ser impossíveis para aquelas que requerem apoio de cuidadores (profissionais e/ou familiares) para comer, vestir-se ou banhar-se. Nestes casos, a presença física de um contato próximo é indispensável. Os governos nas três esferas (federal, estadual e municipal) abordam e/ou consideram em suas orientações de prevenção, tais situações? Por outro lado, o isolamento social, para quem tem dificuldade com alteração de rotina, como é o caso de pessoas que tem o espectro autista, foi pensado de forma que minimize os impactos emocionais e respeite o comportamento dessas pessoas?

No tocante às pessoas com deficiência sensoriais (deficiência visual e auditiva), a informação e a comunicação chegam até essas pessoas? Tais informações são tratadas e repassadas considerando a necessidade de acessibilidade [audiodescricão e uso da Língua brasileira de sinais (Libras)]? As informações chegam a quem não escuta e não enxerga?

A compreensão das informações é processada de forma diferente por quem tem uma deficiência intelectual. As informações de prevenção têm sido passadas de forma que estas pessoas as compreendam? Têm-se pensado em comunicação em linguagem simples e direta para que as medidas de prevenção de contágio possam ser seguidas com eficácia?

Todas estas estratégias existem e estão descritas na legislação vigente e nas políticas, mas ainda são pouco efetivadas. A pandemia trouxe à tona o quanto nosso país está em dívida no que diz respeito à implementação destas estratégias. Neste momento árido de pandemia, é necessário, mais do que nunca, que nós, pessoas com deficiência, tenhamos asseguradas as mesmas condições de prevenção e de assistência. Acentuar nossa invisibilidade nas políticas públicas, neste momento, é aumentar mais ainda o risco que corremos diante desta pandemia.

* Ana Beatriz Thé Praxedes – Psicóloga, fundadora do Movimento V.I.D.A (Vida, Independência, Direito, Dignidade e Ação).

Via: http://www.sembarreiras.jor.br/2020/06/21/covid-19-e-a-invisibilidade-das-pessoas-com-deficiencia/