CONHEÇA TAÍS ROCHA, ASPIRANTE A MISS DEFICIENTE VISUAL E BACHAREL EM DIREITO

Nascida na cidade de Carazinho, Rio Grande do Sul, em 25 de abril de 1991.Perdeu totalmente a visão bilateral aos três anos de idade devido a um deslocamento de retina .Foi alfabetizada em Braille e, aos seis anos, sabendo fazer contas matemáticas básicas no soroban, foi inclusa na escola regular, na segunda série do ensino fundamentaÉ bacharel em Direito, mas atualmente exerce a profissão de auxiliar administrativo no Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Passo Fundo campus Carazinho, onde trabalha desde  2011. Também fez alguns trabalhos como modelo em 2014.

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Como foi sua infância e adolescência?
A infância em geral foi uma fase boa, porém bastante solitária.  Minha irmã tinha dez anos a mais do que eu e nós não crescemos juntas. Eu brincava muito sozinha, mas apesar disso fui uma criança normal e brinquei de todas as coisas que as crianças que enxergam costumam brincar, como andar de bicicleta, roler, patins, subir em estantes e entrar em guarda-roupas (minha especialidade).

As fases naturalmente distintas que eu e a minha irmã vivemos obviamente impediram que eu pudesse ter nela uma companheira para brincar, mas apesar disso posso dizer que tive uma infância normal e muito feliz. Quanto à adolescência, esta foi uma fase ainda mais solitária.

 Eu tinha poucos amigos e pouca convivência com os deficientes visuais da minha cidade. Sempre saía acompanhada por meus pais. Gostava de ficar boa parte do tempo em casa e naquela época a internet ainda não era uma realidade para mim. Devido as condições naturais onde cresci aprendi a ser uma pessoa sozinha e acabei por me acostumar de certa forma com isso. Aprendi a apreciar o silêncio e a introspecção comigo mesma e somente depois de conhecer a internet, já na faculdade, essa realidade começou a mudar e eu conheci grandes amigos.

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Fale um pouco de como foi sua vida escolar e acadêmica.

Na escola com as demais crianças o processo de inclusão foi bastante tranqüilo. Nos últimos anos do ensino fundamental fui vítima de bulying (mas na época não se falava sobre isso). Sofria o duplo preconceito, pois naquela época além de ser cega eu estava bem acima do peso. O período mais crítico dessa fase ocorreu em 2002, quando eu estava na sexta série. Naquele ano eu era discriminada pelos colegas incessantemente todos os dias. Foi um tempo bastante difícil.

Durante o ensino fundamental os livros da escola não eram em Braille e eu estudava o conteúdo pelas fitas gravadas pela minha mãe. Só vim a ter apostilas em Braille a partir do segundo ano do ensino médio. Além disso, toda a vida escolar foi utilizando a reglet e a máquina Perkins como meios de escrita e assim eu colecionava inúmeros volumes de cadernos em Braille. O computador veio a acontecer na minha vida somente a partir do início da faculdade de direito, em 2008.O acesso aos livros literários também era bastante difícil.

Tive bons professores na época, sempre dispostos a aprender, mas vale destacar que (como acontece ainda hoje) poucos professores eram capacitados para as aulas de Educação Física e não eram raras as vezes em que eu não tinha atividades nesse período. Informática então não há o que dizer, minha escola nunca ofereceu um leitor de telas para que eu pudesse aprender e lá se iam mais dois períodos semanais inúteis onde, para a minha sorte, comecei a escrever um diário.

A partir de 2008, no início da jornada acadêmica, minha professora Juracema encerrou o acompanhamento para comigo quando a faculdade informou que assumiria a responsabilidade sobre o processo de inclusão. Tal competência ficou ao encargo da equipe do Setor De Atenção Ao Estudante (SAES), específico da universidade para tratar desses assuntos inclusivos.O advento do computador facilitou bastante a minha vida. Na sala de aula eu utilizava o notebook, primeiramente com o virtual vision e mais tarde com o jaws.

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Como se deu sua entrada no mercado de trabalho? 

Meu pai era diretor do campus da universidade, razão pela qual eu tinha bolsa de estudos no curso de direito.Perdemos o meu pai em janeiro de 2009 por problemas cardíacos e, com essa perda, veio a extinção do contrato de trabalho e eu perdi também a bolsa de estudos. As coisas começaram a ficar difíceis. Eu precisava trabalhar e passei dois anos lutando junto à universidade, quando em 2011 fui finalmente contratada, após comparecer pessoalmente à reitoria pedindo para trabalhar.

Não posso dizer que não tive dificuldades. Se não fosse o reitor (a quem sou muitíssimo grata) e eu estivesse dependente unicamente do setor de recursos humanos, meu futuro seria incerto. Graças a ele ganhei o emprego e também a bolsa de estudos, que passou de 50 para 70% até o final do curso.
Aliás, vale dizer que, na minha opinião há um notável despreparo nos setores de recursos humanos para trabalhar com as pessoas com deficiência. Outro dia mesmo fiz um curso interno e não tinha material adaptado pra mim. Critiquei e eles alegaram não ter conhecimento de uma deficiente visual trabalhando no campus.

Pedi o material por e-mail e nada foi recebido. Penso que deveria haver algum tipo de preparação dos profissionais de recursos humanos para trabalhar com as pessoas com deficiência ou mesmo um consultor com deficiência.Conheço pelo menos três pessoas com deficiência que possuem formação em recursos humanos e penso que essa é uma área essencial que precisa ser melhorada dentro das empresas para que possamos ter uma contratação e suporte dignos.

Como você cuida da sua beleza?

Para mim é algo super normal. Quando eu era obesa eu tinha vários complexos relacionados às questões estéticas, mas mesmo assim era vaidosa. Gostava de usar maquiagem, roupas bonitas e bijuterias e, de fato,meus colegas do colegial sempre diziam que eu era a mais bonita das festinhas. Provavelmente eu seria mesmo (se não fosse gorda) e isso inevitavelmente influi, mas eu era nota dez no quesito amor próprio até o dia em que uma colega por maldade me descreveu uma cena extremamente desagradável e a partir de então tudo passou a ser diferente.

tais rocha - miss- deficiente - cegaEu pensava “De que adianta ser a mais linda das festinhas se vou ser sempre gorda?”. E assim eu fui parando de me produzir tanto, deixando a maquiagem de lado, ficando mais simples ao longo do tempo e, claro, engordando sempre mais. Nenhuma dieta adiantava pra mim e eu era totalmente sedentária, não gostava de academia. Essa realidade começou a mudar quando vi meu pai falecer após 30 dias na UTI de um hospital em Porto Alegre.

Meu pai era totalmente sedentário, trabalhava muito e em uma profissão que passava o dia todo sentado, se alimentava muito mal e costumava levar trabalho pra casa, fatores que desencadearam o entupimento de 99% da artéria horta.Ao ver a morte tão de perto decidi “eu não queria esse destino pra mim!”.A perda do meu pai me fez engordar 13 quilos, chegando aos 104.

Ele partiu em fevereiro de 2009 e em novembro eu estava na sala de cirurgia, pronta para renascer.Me submeti então à cirurgia bariátrica, que hoje os médicos chamam de cirurgia metabólica. Esse procedimento me devolveu a vida e também a auto-estima!Dos 104 quilos perdi 50 no meu peso mais baixo que já foi de 54 quilos, hoje tenho 56. Não sou muito alta, mas sinceramente isso em nada me incomoda. Por causa da cirurgia perdi grande parte dos seios, pois grande parte era gordura.

Minha irmã que tinha 120 quilos e fez a mesma cirurgia quis colocar próteses de silicone, mas para mim isso está fora de cogitação, pois eu gosto dos meus seios assim mesmo e ainda dou graças a Deus que eles diminuíram, porque nunca gostei de ter seios grandes.Fui loira quando criança, mas na fase adulta meus cabelos escureceram e eu amo a cor deles assim mesmo. Além disso, amo ter um olho azul e o outro que conforme a luz do sol fica verde. Só conheço uma única pessoa que tem olhos coloridos como eu. Sou uma raridade e tenho muito orgulho disso, afinal o que seria de mim se eu fosse só mais uma pessoa comum?

Hoje, depois da cirurgia, me tornei uma pessoa muito mais feliz. Me amo como sou e tenho muito orgulho disso. Melhorei minha vida em todos os aspectos e desde 2013, quando comecei o projeto miss, me apaixonei pela prática de exercícios físicos e cuido muito do meu corpo. Atualmente faço academia, dieta e às vezes dança também. Estou sempre criando algo para gastar energia. Gosto de cuidar dos cabelos e da pele também. Bebo muita água e adoro.

Quando o assunto é a sexualidade das mulheres com deficiência, ainda existem muitos empecilhos?

No tocante a esse assunto e considerando as experiências que já vivi como mulher cega, percebo que o principal desafio a ser vencido ainda é, em pleno século XXI, o preconceito por parte dos homens.Convivo com ele a vários anos todos os dias. Em minha cidade um homem que enxerga não olha para uma deficiente visual senão como amiga.

Durante a adolescência todas as vezes que gostei de algum coleguinha eu só ouvia que era só amizade. Eles não nos vêem como mulheres que possuem sexualidade. Eles pensam que não temos desejos, nos enxergam como seres assexuados.Essa é na minha opinião uma das maiores dificuldades enfrentadas pela mulher com deficiência, a descoberta da própria sexualidade, porque o preconceito da sociedade nesse aspecto é muito grande.

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Que recado você deixa para nossos gestores e para a sociedade em geral, incluindo os que visitam o Casadaptada?   

A todos os deficientes visuais, digo que não desistam dos seus sonhos e de suas lutas independentemente do que aconteça, mesmo diante das dificuldades e ainda que pareça impossível. Como bem diz a frase do meu blog, “O possível ou o impossível é você quem faz” e essa é a mensagem que eu quero transmitir.Para a sociedade, reforço que dentre todos os desafios e barreiras que encontramos diariamente, o maior deles é sem dúvida o preconceito.

O preconceito é um mal que precisa ser combatido e exterminado .Por fim, porém não menos importante, deixo um recado aos nossos governantes: não lutamos por assistencialismo; lutamos por igualdade, dignidade e respeito. Muito obrigada pela oportunidade de prestar esta entrevista para o site Casadaptada, para mim é uma honra.

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