Um presentão para os leitores: uma conversa com o jornalista Jairo Marques

JAIRO MARQUES

Não é Natal, mas decidimos presentear nossos leitores com uma conversa com o jornalista Jairo Marques. Para os que ainda não o conhecem ele nasceu em Três Lagoas (MS), no ano de 1974 e foi acometido ainda criança pela Poliomielite Infantil, tornando- se cadeirante desde então. Entretanto, o mesmo se formou em jornalismo pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e fez pós-graduação em Jornalismo Social na PUC-SP.

Ingressou no jornal Folha de S. Paulo, no ano de 1999, meses após concluir a graduação. Hoje, ele é colunista e repórter na editoria de Cotidiano e autor do Blog Assim com Você, no qual  ganham notoriedade histórias de vida de pessoas com deficiência, que ele as denomina de “mal-acabados”, bem como os problemas e desafios enfrentados por essas pessoas em razão da falta de acessibilidade. Curiosos, para saber o que ele pensa?  Leiam na íntegra a entrevista.

 JAIRO MARQUES

Você foi acometido pela Poliomielite In
fantil, aos nove meses de idade, e desde criança utiliza a cadeira de rodas. Como você, seus pais, familiares e amigos entenderam sua deficiência, desde então?
A deficiência promove uma série de fases na vida de suas vítimas. Em princípio, uma busca por tratamentos, por aceitação e afirmação. Depois, um momento de acomodação e adaptação. Só mais tarde, você e sua família passam a entender como uma condição humana. Foi assim comigo.

Você tem receio da Síndrome Pós Pólio? Faz algo para preveni-la?
Às vezes, penso na SPP. Avalio que houve um momento um pouco exagerado na avaliação da síndrome em que se misturava o medo com a necessidade de prevenção. Tento me poupar, à medida do possível e observo bastante as reação do meu corpo, mas não faço nada muito específico.

Você já fez algum tratamento alternativo? Qual? Acredita nas células-tronco?Fiz tratamentos “milagrosos” de araque, na infância…. Atualmente, não me submeto a nada. Acho que as CTs ainda vão revolucionar muito a vida das próximas gerações. Para mim, os estudos mais sérios e comprometidos para a recuperação de mobilidade vem delas.

Por que você escolheu o jornalismo?
Desde criança sou inquieto, falante, cheio de opiniões. Tenho características emocionais e psicológicas que me remetem à comunicação. Quando se junta isso à oportunidade, casualidade e sorte, você chega à “escolha”.

Como você se define jornalista?
Como um indignado, um eterno insatisfeito, um cara com senso de justiça aguçado e com uma veia social saltada. Gosto de histórias humanas, de gente que faz acontecer as relações de melhoria dos direitos humanos, da inclusão, do bem social.

JAIRO MARQUES

Você concorda que a mídia está vivendo uma grande crise, um verdadeiro caos e na maioria das vezes não é confiável, não apura os fatos? E a que você deve essa crise?
Não concordo em absoluto com essa afirmação. É comum que análises rasteiras sejam feitas sobre a imprensa por gente que nunca abriu um jornal e que não se informa, apenas repercute o que acha e o que vê em redes sociais.

Você concorda que a internet é mais inclusiva do que a mídia impressa (jornais, revistas) e a mídia eletrônica (televisão e rádio)?
Não. A internet é mais plural para qualquer grupo social e não apenas para pessoas com deficiência. As mídias tradicionais ampliaram demais o espaço para debater inclusão. Qualquer estudo comparativo pode demonstrar isso. O que precisa ficar claro é o tipo de abordagem que as pessoas esperam. Para estar em uma mídia mais focada, menos ampla em suas possibilidades, é necessário que, realmente, haja uma pluralidade no interesse do assunto.

No seu blog, Assim Como Você, ganham notoriedade histórias de vida de pessoas com deficiência que você as denomina de “mal-acabados”. Entretanto, percebemos que o dito não é o mais interessante, mas sim as finalidades que determinam as publicações. Se “quem conta um conto aumenta um ponto”, o que o motiva a contar essas histórias? E que critério você utiliza para escolhê-las?
Sou obcecado por histórias que mostrem um caminho possível diante da adversidade. Tenho horror às chamadas “histórias de superação” pura e simples e que só servem para jogar confetes em indivíduos e botar um peso na cabeça dos leitores. Gosto de contar modos de fazer uma vida cheia de adversidades possível e plena, gosto de mostrar que, com ação, com instrumentos e algum olhar inclusivo, é possível ir bem longe.

JAIRO MARQUES

Como a mídia vem retratando e veiculando a imagem das pessoas com deficiência ?
Estamos em evolução. Ainda há muito coitadismo e muita bobagem de “superação”, de sensacionalismo e de busca pela “cura”, mas também já há abordagens modernas, espaços para mostrar e discutir direitos, espaço para histórias que agregam.

Até que ponto a mídia brasileira está cumprindo o seu papel de informar e conscientizar a população brasileira, quando o assunto é a inclusão das pessoas com deficiência?
Não sei dizer nem se existe esse papel. Mídia não é governo, não é ONG. As pessoas querem representação, mas não sabem se organizar a contento. A imprensa trabalha com questões diversas e se organiza diante de uma demanda social explícita. Ouço muito isso de que a “a imprensa não liga para pessoas com deficiência” e sempre pergunto: Que mídia? Você nunca leu nada sobre cadeirantes, cegos, paralisados cerebrais?”. A crítica vem muito do senso comum e pouco da realidade.

O que você considera eficaz para o Brasil melhorar em termos de políticas públicas para as pessoas com deficiência?
Primeiramente, organização para cobrar que os representantes sejam pessoas que vivam plenamente a causa. Jamais que um grupo negro toleraria que seu representante fosse um loirão. Com as pessoas com deficiência, isso sai de graça. Falta também mais representação política, mais adesão aos movimentos representativos e menos mimimi. Não dá mais para se esconder em casa.

Você e sua esposa tinham a ideia de ter filhos, ou a cegonha resolveu enviar sem vocês fazerem a encomenda?
Tínhamos! Era uma ideia que estávamos maturando. Aconteceu na hora certa e nos deixou extremamente felizes.

JAIRO MARQUES

E como é a sensação de estar “grávido”?
É como se a minha frente estivesse próxima de ser aberta uma janela novinha para um mundo igualmente novo, cheio de momentos e sensações inéditos. Tive uma vida muito regrada, cheia de limitações e de pedreiras a serem vencidas, agora, vou acompanhar de perto uma história que tem potencial de ser reflexos de mim mesmo, em alguma proporção, e isso é fantástico.

Quais seus planos para o futuro?

Sou um cara muito simples e que gosta de gente. Penso que, no futuro, quero extrapolar minha atuação, mas ainda não é claro para mim como isso se dará. Neste ano, devo lançar meu primeiro livro e tenho uma filha para criar. Acho que tá bom, por enquanto, não?!

Como você definiria Jairo Marques?
Um sujeito que, todos os dias, procura fazer algo útil para alguém. Um cara que gosta de se comprometer com a melhoria da vida das pessoas e que também cobra isso das pessoas. Sou muito simples e gosto disso, mas também gosto e busco reconhecimento, engajamento e um mundo melhor.

Que mensagem você deixa para os leitores do Casadaptada?
A de que é preciso botar na cabeça de que o que temos ainda é muito pouco: pouco reconhecimento de direitos, pouca chance de trabalho, pouca atenção política e governamental. Vejo uma certa dispersão das pessoas com deficiência diante das redes sociais e seus grupos. Embora seja uma maneira de manifestação, isso é muito pouco para mudanças substanciais. É preciso formar grandes líderes, é preciso se organizar para cobrar e é preciso ser mais ciente de direitos e obrigações.

JAIRO MARQUES