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Criada há mais de 30 anos, a Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação é uma das principais referências brasileiras em reabilitação motora e mental, realizando cerca de 19 milhões de procedimentos por ano. Com apoio financeiro do Governo Federal, o SARAH é constituído, atualmente, por nove unidades em diversas capitais brasileiras.

Segundo pesquisa realizada pela rede em 2014, através de entrevistas com os pacientes internados, verificou-se que 22,3% das internações nas unidades do Sarah foram motivadas por Causas Externas, sendo que 49,4% dessas causas foram acidentes de trânsito.

Lúcia Willadino Braga, diretora da Rede SARAH, é ávida defensora de uma abordagem ecológica na recuperação de traumas. A técnica subverte o conceito tradicional de reabilitação e busca inserir o paciente de volta em seu ambiente natural, retomando atividades e contando com o apoio da família.

Durante a 2ª Conferência Global de Alto Nível sobre Segurança no Trânsito – Road Safety, a diretora concedeu uma entrevista ao Blog da Saúde e comentou a importância de um atendimento adequado imediatamente após o trauma, o atual cenário dos atendimentos prestados na rede e a importância da reabilitação ecológica.

Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2013, os acidentes com motos resultaram em 12.040 mortes, o que corresponde a 28% dos mortos no transporte terrestre. Esse cenário se reflete nos atendimentos que vocês prestam na rede Sarah?

Sim. No SARAH aumentou imensamente o número de pessoas vítimas de acidentes de motocicleta. Vemos isso nas internações. Este ano , os acidentes de trânsito foram responsáveis por 49,4% do total de internações por causas externas na Rede SARAH. Os acidentes foram classificados em seis categorias de meios/modos de locomoção: Automóvel, Utilitário ou Caminhonete; Caminhão ou Ônibus; Motocicletas; Bicicletas; a pé; e outros meios/modos. Destes, 48,5% são referente aos acidentes de trânsito com condutores ou passageiros de Motocicletas. Na maioria homens jovens, na faixa de 18 aos 35, sempre bastante machucados. Observamos que o carro ainda protege o corpo um pouco mais, mas na moto é o corpo contra o asfalto. Notamos muitos acidentes por falta do uso do capacete. Pessoas que deixam o “eu” no asfalto. O cérebro comanda todas as funções do corpo, inclusive as emocionais, e nesses acidentes de moto geralmente acontecem lesões muito sérias na cabeça. Muitos comentam que estavam cometendo infrações. Quando acontece o trauma, a pessoa reflete que podia ter usado capacete, não ter tomado aquela bebida. Mas o filme não volta para trás e as lesões podem incapacitar durante toda a vida.

Existe outro problema comportamental dos motoristas e motociclistas que tem gerado consequências graves?

Tem nos preocupado muito o uso de dispositivos móveis na direção. Quando a pessoa está dirigindo e manda uma mensagem de celular é uma situação muito grave. Antes, nossa maior preocupação era o álcool, mas com os avanços feitos pela Lei Seca, eles melhoraram. Mas ainda não existe uma fiscalização muito clara por conta dos celulares. Preocupamo-nos principalmente com os jovens, pois eles têm uma impressão de que não vai acontecer com eles, e muitos até gostam de se envolver nos riscos. Principalmente nas lesões de medula, que deixam as pessoas paraplégicas ou tetraplégicas, vemos um perfil bem jovem.

O atendimento no momento do acidente é fundamental para uma melhor recuperação e reabilitação. Quais as recomendações você pode dar para uma pessoa que presencie ou acompanhe uma pessoa que sofreu um trauma no trânsito?

Temos três níveis de atendimento. O primeiro começa na estrada, no local do acidente. Isso ser feito corretamente é fundamental para o sucesso do tratamento. Neste momento, o ideal é esperar a chegada dos especialistas. O Brasil tem um ótimo sistema de busca e salvamento com o SAMU 192 e o Corpo de Bombeiros 193. A segunda etapa é quando chega ao hospital. É preciso pensar em reabilitação desde o começo. Principalmente em caso de lesões de medula, podem ocorrer problemas na pele ou na bexiga, que devem ser evitados logo no início. Começar o mais cedo possível, para melhorar o prognóstico. E a terceira etapa é o acompanhamento contínuo de reabilitação, que pode durar muitos anos, dependendo do caso.

A Rede SARAH é conhecida por fazer uma abordagem ecológica na reabilitação. Você pode nos explicar melhor como isso funciona?

A reabilitação ecológica é uma abordagem baseada em evidência que procura devolver a pessoa ao seu ambiente, à vida normal. Por exemplo, o ambiente normal da criança é a família. Por isso, treinamos esta família para colaborar em uma reabilitação, ajudá-la a aprender a andar, falar. Nós notamos que estes pacientes tratados com o apoio da família se recuperam muito melhor. Quando você ensina a mãe a fazer exercícios que melhoram o pensamento e a fala, essa criança recebe este tratamento com muito mais frequência e de uma forma muito mais lúdica do que no ambiente hospitalar. Um paciente paraplégico, por exemplo, precisa de bons músculos superiores. Ele pode exercitar isso de forma prazerosa. Nós inclusive temos atividades no lago, para eles remarem e fortalecerem a musculatura de forma espontânea e agradável. A ideia é que a pessoa volte à rotina, mesmo que com adaptações, ninguém pode morar no centro de reabilitação para sempre, as pessoas querem e precisam voltar para a casa, para ter uma vida normal, voltar as atividades como a escola, o trabalho.

Você possui pacientes muito famosos, como o cantor Herbert Vianna. A reabilitação ecológica foi utilizada no caso dele?

Sim. A banda Paralamas do Sucesso foi fundamental para a recuperação dele. Como era um grupo muito ligado, juntos preparamos a volta dele ao palco. Ele teve lesão na medula no cérebro, por isso criamos estratégias com a banda para possibilitar que ele continuasse. Se eles não tivessem se envolvido, teria sido difícil para ele voltar a se presentar. Quem o vê pensa que foi fácil, mas teve um apoio muito grande da família.

Fonte: Gabriela Rocha/ Blog da Saúde

Foto: Luís Oliveira/ Agência Saúd