Oi gentes, tudo bem com vocês?
Por aqui tudo bem. Tenho escrito pouco por aqui, mas é porque as palavras estão indo tudo pra tese…ehheheheeh. Depois de junho volto a escrever com mais regularidade por aqui.
Além da tese, tenho ido com o Jota todas as tardes na AACD pro tratamento dele. Lá ele faz fono, psico, terapia ocupacional e fisioterapia. Sobre o tratamento lá eu escrevo outra hora, porque hoje eu quero contar sobre os olhares nas ruas quando saímos juntos.
Sim…os olhares. Antes de termos uma rampa aqui no prédio, o Jota saiu pouco com a cadeira motorizada dele. E com a manual a gente não ia muito longe porque a antiga era pesada pra eu empurrar. Mas agora que a manual dele é leve e tem rampa pra ele sair com a motorizada, a gente sai bastante. E o fato da gente sair faz com que as pessoas olhem pra gente.
Eu lembro bem dos olhares das pessoas para a minha bengala. Fazia tempo que eu não via esses olhares dirigidos a mim. Mas agora, com o Jota e sua cadeira, voltei a reparar nesses olhares curiosos.
Algumas pessoas olham exatamente com esse olhar, de curioso. Tem pessoas que só não perguntam o porque da cadeira porque algum tipo de educação os impede de chegar e puxar conversa. Mas muitos perguntam, e a gente não perde a oportunidade de explicar a EM pra mais uma pessoa no mundo.
Os olhares curiosos não incomodam. A gente entende. Tá lá, um cara jovem, bonito, pilotando uma cadeira de rodas e as pessoas tem uma curiosidade quase natural pra saber o porque.
Estar numa cadeira de rodas é ser o centro dos olhares na rua. Não sei o Jota, mas eu não me incomodo. Fico observando os olhares dos outros como uma experiência antropológica. Até porque, o olhar dos outros está tão voltado pra cadeira que eles nem percebem que eu os observo.
No ponto do ônibus tem gente que chega a torcer o pescoço quando passa pra continuar olhando. À alguns desses, quando voltam a si e veem que eu estou olhando, eu dou um boa tarde com um sorriso. Sei que os deixo desconcertados. Não é essa a intenção. É só porque não sei olhar no olho e não dizer oi.
Acho engraçado as senhorinhas, que ficam olhando com aquela mistura de dó e compaixão. Elas costumam olhar pra mim e acenar com a cabeça, quase dizendo: parabéns moça, por estar com esse moço. Como se meu amor fosse ato de caridade. Ah, se elas soubessem o que fazemos entre quatro paredes… heheheheh
A grande maioria olha com dó. Alguns sentem tanto que dá vontade de chegar do lado e dizer: não se preocupe, a gente tá bem.
Outros olham pro Jota, olham pra mim, olham pro Jota de novo e ficam com aquele olhar de: como ela tá com ele? Ele tá “condenado” a uma cadeira de rodas!!! É um olhar de pânico, pavor, temeridade.
Tem os que olham com simpatia. Esses não só olham como cumprimentam com aquele sorriso e aceno de cabeça que diz: vai lá parceiro, você é um vencedor! São olhares que nos impulsionam.
Ah, e no ponto do ônibus tem os olhares impacientes, daqueles que pensam: puta merda, será que esse cadeirante vai pegar o mesmo ônibus que eu? Assim vou acabar me atrasando!
Nunca tivemos problemas no ônibus, os motoristas e cobradores são sempre muito solícitos (valeu amigos do 476), e os passageiros nunca reclamaram. Se se incomodaram, guardaram para si. E olha que já teve dia que o elevador do ônibus demorou mais de 10 minutos pra funcionar. Acho que estamos tendo sorte.
Eu já tinha pensado em escrever sobre os olhares das pessoas, mas senti uma necessidade de escrever depois do que aconteceu há uns 15 dias quando chegamos na AACD. Estavam, no ponto do ônibus quatro meninos. Adolescentes no auge dos seus 15 ou 16 anos, com seus skates a tiracolo. Naquele dia eu estava usando um macacão de malha azul (que, segundo o Jota, me deixa muito gostosa), cabelos soltos e, claro, com meu batom vermelho. Enfim, saí causando aquele dia. Chegando no ponto o Jota desceu primeiro com a parafernalha do elevador do bus e eu fiquei lá em cima esperando pra poder descer. Depois que ele já tava lá embaixo e os guris já tinham acompanhado toda a descida dele, voltaram seus olhares pra mim. Eu percebi, não sou boba nem nada. Desci como uma diva, me despedi dos rapazes do ônibus e fui ao lado do Jota. Quando encostei a mão no ombro dele o queixo de dois deles caiu no chão. Subindo a rampa pra entrar na AACD eu vi que eles tinham torcido o pescoço pra olhar nós dois. Eu vi que conversavam alguma coisa. Provavelmente diziam: deve ser irmã dele. Olhei pro Jota e disse: quer deixar quatro meninos chocados pro resto da vida? Para a cadeira agora e me dá um beijo! Fizemos isso, e os quatro queixos foram pro chão. Eles nem disfarçaram. E a gente saiu rindo… rindo muito. O Jota ainda disse: ela tá comigo por causa do meu carro!
Reparar nos olhares desses guria foi impagável. Acho que naquele dia a gente não chocou os meninos, a gente quebrou todas as expectativas que eles tinham sobre um homem cadeirante.
Eu continuo reparando. E como sei que o Jota é desligado, as vezes mostro pra ele alguém olhando.
Não reclamo de quem olha. Acho que é meio natural a gente olhar daquilo que destoa do comum. E uma cadeira de rodas destoa porque as pessoas não estão acostumadas a ver na rua. Temos é que sair mais, até o dia em que as pessoas não achem isso tão incomum, nem se choquem com um casal assim, nem fiquem tão consternados com isso.
Até mais!
Bjs

Fonte: Esclerose Múltipla e Eu: Olhares