Aos 42 anos, Simone Butler segue uma rotina de pequenas vitórias, que ainda não incluem o manejo de chaves ou o simplório prazer de pegar uma moeda achada no chão.

BBC Brasil

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Mas não se ouve dela qualquer tipo de recriminação. Na verdade, Simone fez questão de contar ao mundo a tenebrosa experiência pela qual passou, em 2003: ela teve as mãos decepadas após um ataque de seu então namorado com uma espada de samurai.
 
O caso se tornou um símbolo da luta contra a violência doméstica na Nova Zelândia. Simone teve os braços reimplantados e passou por anos de fisioterapia e apoio psicológico como parte do processo de recuperação. E, há dois anos, escreveu um livro para relatar a experiência.
 
Infelizmente, Renee Gumbie, uma amiga de Simone também atacada, não teve a mesma sorte e perdeu a mão esquerda.
 
O agressor, Antonie Dixon, era usuário de drogas e, no dia do ataque, tinha consumido metanfetaminas. Além de mutilar as duas mulheres, ele ainda matou um homem a tiros em um posto de gasolina e fez um refém, antes de ser preso.
 
Condenado inicialmente à prisão perpétua em 2005, Dixon e seus advogados conseguiram que o caso fosse julgado novamente, sob o argumento de que o primeiro veredito não levara em conta apropriadamente as alegações de insanidade mental do réu – Dixon sofrera abusos sexuais e violência quando criança. Ele tinha sido preso 14 vezes ao longo de sua vida.
 
Porém, ele também foi considerado culpado no segundo julgamento e, em fevereiro de 2009, antes que a segunda sentença fosse proferida, apareceu morto na prisão. Um inquérito determinou o suicídio como causa da morte.
 
“Quando recebi a notícia, saí dançando pela sala. Eu finalmente estava livre dele. Mesmo na prisão, Antoine encontrava maneiras de se comunicar comigo e me chantagear e ameaçar. Ele conhecia pessoas do lado de fora que podiam fazer o que pedisse”, contou Simone ao programa de rádio Outlook, do Serviço Mundial da BBC.
 
Simone ficou inconsciente por dias depois do ataque. Passou por 27 horas de cirurgia e, quando acordou, tinha como última memória a cena em que tentava manter as mãos junto ao corpo. Tinha os braços cobertos por enormes bandagens e foi apenas quando uma enfermeira quis checar a temperatura dos dedos é que Simone percebeu que ainda tinha mãos.
 
Mais notável ainda foi o fato de os médicos conseguirem reimplantar as mãos depois de o braço esquerdo ter sido danificado a ponto de ela precisar de um enxerto ósseo da bacia. Entre 2003 e 2008, Simone foi submetida a quase 100 cirurgias – 12 delas sob anestesia geral.
 
O trauma da recuperação incluiu também as memórias de cinco anos de um relacionamento abusivo com Dixon. Quando Simone o conheceu, foi alertada de que ele batera na ex-mulher e de sua reputação de problemas com a lei. A própria Simone vinha de um passado turbulento: seus pais eram usuários de drogas e, com apenas 15 meses de idade, teve uma overdose acidental ao ingerir heroína deixada sobre uma mesa.
 
“Não morri porque sou resistente por natureza, acho. Não tinha muitas expectativas na vida quando encontrei Antonie. Havia sinais de alerta, mas me venceu pelo cansaço. Ele basicamente me perseguiu durante seis meses até que eu saísse com ele. Antonie era charmoso, carismático e me fazia rir. E gostava muito de mim. Minha autoestima era baixa naquela época e acabei acreditando em todos os elogios e promessas”.
 
Em pouco mais de um ano, o sonho virou pesadelo e as agressões e ameaças começaram. Simone diz que tentou várias vezes terminar o relacionamento, mas desistiu, tanto por causa de ameaças, quanto pelo que classifica de compaixão diante de todos os problemas pelos quais Dixon tinha passado.
 
“Ele sempre pedia perdão e se mostrava arrependido pela violência. Eu me iludi e achei que poderia mudá-lo com carinho e afeto. Mas eu também estava envergonhada pela situação. Havia muita vergonha dentro de mim e quis esconder isso (das pessoas)”.
 
Em 2003, segundo Simone, Dixon estava usando cada vez mais metanfetaminas e seu comportamento estava cada vez mais paranoico. Acompanhada de Renee, ela foi até a casa do namorado para anunciar que estava terminando o relacionamento. Foi quando o ataque ocorreu.“Antonie acusou a mim e minha amiga de estar em conluio com a polícia. Achei que podia morrer, mas, na verdade, estava aliviada que não precisaria mais lidar com Antonie. Eu não queria morrer, mas não via como poderia escapar daquela situação, então aceitei o que estava por vir”, conta.
 
O ataque só terminou quando a espada quebrou e um amigo do agressor, que também estava na casa separou Antoine das mulheres. Antes de deixar o local, o agressor chamou uma ambulância.
 
“A última coisa que me lembro é de ouvir a voz de um paramédico e de alertá-lo que não sabia se Antoine ainda estava na casa. Lembro ainda de ser colocada em um helicóptero”.
 
Médicos disseram a Simone que, mesmo com o sucesso da cirurgia, suas mãos teriam sérias limitações – ela conta que a esquerda foi definida apenas como “peso para papel” e que a direita teria apenas 40% dos movimentos.
 
“Mas eu logo consegui me limpar sozinha e até mesmo colocar maquiagem”, lembra.
 
Atualmente, ela consegue usar a mão esquerda para levantar copos e até voltou a andar a cavalo. E já não sente mais vergonha de mostrar as cicatrizes. Tanto que se tornou uma porta-voz para ONGs de apoio a vítimas de violência doméstica na Nova Zelândia.
 
“Por muito tempo eu tive medo de sair de casa por causa das cicatrizes. Mas hoje sei que minhas mãos apenas mostram que estive em batalhas – e que as venci”.