Como já contei aqui, eu não dirijo, por escolha. E isso faz de mim um bom frequentador de ônibus.. Também por isso, conheço as adversidades do transporte, e por conta disso, acabo fazendo amizades com motoristas e cobradores.

Em um determinado dia, percebi que o motorista, amigo meu, parava em “bons lugares” para as pessoas descerem, mas para mim, não.. Inicialmente achei que poderia ser coincidência, mas no outro dia de novo, de novo e de novo… Aí perguntei:

– Por que o senhor para em um lugar ruim, longe da guia pra mim?

E a resposta foi surpreendente:

– Quando não facilito tua vida te desenvolvo. Então estou te ajudando a superar teu problema.

Há nessa resposta várias possíveis interpretações:

Eu não preciso superar minha deficiência;

Ela não é um problema;

E dificultar minha vida não me ajuda em nada, ao contrário, pode prejudicar.

Desconstruir essa ideia de superação, problema ou vontade é tão essencial quanto garantir a acessibilidade no transporte.

;

Precisamos estar atentos. Viver é uma constante vigilância, mas não é sobre a vigilância da vida que quero falar hoje, mas sim, sobre a vigilância inclusiva, isso mesmo. Precisamos vigiar não só nossos direitos, mas também a aplicação deles.

E essa vigilância é um case importante para falarmos de educação, pois se educássemos bem precisaríamos vigiar? Todos os dias no ônibus, em determinado momento, a vigilância é exemplificada e materializada no posto da Polícia Rodoviária Federal, ali todos diminuem a velocidade, ali todos prestam atenção, ali todos são cordiais e compreensivos.

Mas passado este momento volta a brutalidade, o excesso de velocidade, a violência física, verbal, social.

Neste pequeno exemplo entendemos a diferença entre vigilância e educação. Quando você é educado você faz as coisas porque precisam ser feitas e, principalmente, para que seu ato não prejudique os demais. Quando a educação falha, entra a vigilância.

E por falar em vigilância, é neste cenário que entra a Lei de Cotas, pois hoje ela vigia empresas e pune aquelas que não oferecem o direito básico e fundamental somente porque a pessoa tem uma deficiência. Espero que um dia a vigilância torne-se educação.

Nas minhas palestras costumo brincar que a lei de cotas é igual a escovar os dentes quando a gente é criança, explico, lembra quando a mãe dizia “tem que escovar os dentes, tem que tomar banho…” enfim, tarefas que hoje são naturais, mas que no momento do aprendizado era preciso lembrar. 

Sonho no dia em que a Lei de Cotas seja esse lembrete, mas que possamos contratar pessoas e que a deficiência seja apenas uma das diversas características dela.

;

Ainda no ônibus a passagem comum diz “normal” e a minha “deficiente”, além do uso terminológico desatualizado, pois não somos “deficientes”, mas sim pessoas com deficiência.

Mais grave do que isso é separar entre “normal” e “deficiente”, pois admite-se a possibilidade que eu não seja “normal” e de fato, o que é ser normal? Eu não sei! Mas sei que muitas vezes essa dicotomia, essa divisão, normaliza a ideia de exclusão, de negação de direitos e oportunidades.

Poder-se-ia trocar o “normal” por comum e o “deficiente” por “PCD” que não é tão bom, mas que é menos ruim e excludente que o “deficiente.”

E tudo isso apenas em um pedaço de papel, um bilhete de acesso, uma garantia de transporte… Talvez tu nunca tenha pensado nisso, talvez tu nem volte a pensar nisso ou simplesmente isso nem te interesse.

Mas de fato, a inclusão, o respeito e a diversidade começam nas pequenas coisas, inclusive no que diz num pedaço de papel.

 

Abraços inclusivos.

 

Adquira meu livro:

Sentado Tu é Normal e Outras Crônicas