é proibido miar
Descrição da imagem: Na foto colorida e horizontal, os quatro atores da peça É Proibido Miar estão de frente, lado a lado, da cintura para cima, sorrindo, de macacões coloridos com capuzes com orelhinhas, e as pontinhas dos narizes levemente pintadas de preto, lembrando focinhos. Cada um faz o sinal em Libras correspondente a uma letra da palavra Miar. Na esquerda, Ju, a mais alta, branca e com olhos verdes, de macacão preto, cinza e branco, faz o M, com os dedos seu vizinho, pai de todos e fura-bolo apontados para baixo. Joana, negra, com grandes olhos castanhos – e o esquerdo levemente pintado de branco -, de macacão marrom, bege e branco, faz o I, com o mindinho apontado para cima. Dani, branca, com olhinhos bem pequenos e castanhos, de macacão laranja, pêssego e vermelho, faz o A, com todos os dedos fechados na palma da mão. Douglas, branco, com olhos castanhos arregalados, barba e boca aberta, de macacão vermelho, laranja e marrom, faz o R, com o fura-bolo e o pai de todos cruzados e apontados para cima. Ao fundo, cortinas escuras. (fim da descrição)

 

Oi, sou Juliana Kersting, tenho 36 anos, sou atriz, produtora e integrante da MA Companhia – teatro, dança e assemelhados criada em 2015. Nosso espetáculo de estreia foi “É Proibido Miar”, uma peça para crianças livremente inspirada no texto homônimo de Pedro Bandeira. O site Diversidade na Rua carinhosamente divulgou as apresentações que realizamos no ano passado e hoje vou contar um pouco de como cheguei na ideia de transformar o livro em uma peça de teatro com acessibilidade e inclusão.

Li o livro quando tinha oito anos. Para quem não conhece a história, ela fala sobre Bingo, um filhote de uma ninhada de cachorros vira-latas. Bingo, nasceu “perfeito”, assim como seus irmãos, porém ao longo do seu crescimento foi demonstrando diferenças em seu comportamento. O estopim das diferenças acontece no dia do primeiro latido. Todos irmãozinhos de Bingo latem, assim como um cachorro “normal” deve fazer. Bingo, ao invés disso, miou. Deste dia em diante ele sofre com as consequências de ser diferente, sendo as mais marcantes a inadequação e o isolamento.

Na época que em li fiquei profundamente tocada e me identifiquei com a história do protagonista.

Aqui cabe um adendo a este relato. Eu sou filha de três irmãos, e o meu irmão mais velho era paralisado cerebral. Durante toda minha infância, adolescência e idade adulta convivi com as dificuldades da deficiência, desde a maneira como ele era olhado pelas pessoas na rua quando passávamos até os buracos das calçadas que tornavam qualquer deslocamento de cadeira de rodas uma verdadeira aventura.

Meu irmão, falecido em dezembro de 2014 com 39 anos, assim como Bingo nasceu “perfeito”, mas com alguns meses de vida demonstrou suas diferenças. Quando se é irmã de uma pessoa especial, uma das coisas que se deseja profundamente é aceitação e acolhimento. Mesmo não sendo eu a pessoa em questão, eu sentia todo o preconceito, a incompreensão e o medo que a maioria das pessoas tem quando se depara com alguém diferente. Na maioria das vezes, não é por maldade e sim por desconhecimento mesmo. Assim como Bingo, me sentia diferente. Assim como Bingo, buscava um lugar onde pudesse ser diferente. Assim como Bingo, queria ser aceita, mas sem abrir mão de ser quem eu era e tão pouco, abrir mão do meu irmão.

Anos depois me tornei atriz e a lembrança do livro vinha a mente muitas vezes. Então pensei “por que não transformar em uma peça de teatro?”. Levei a ideia a meu amigo, colega e compadre Denis Gosch, que abraçou prontamente o desejo e juntos idealizamos a concepção de “É Proibido Miar”. Para contar a história do Bingo optamos por usar uma maneira nova e que pudesse abraçar pessoas que comumente estão à margem do teatro: as pessoas cegas ou com baixa visão e as surdas.

No entanto, nossa vontade não era somente fazer uma peça de teatro para elas, mas sim, para ouvintes e videntes também. Uma peça que incluísse quem geralmente está fora da plateia e propusesse uma reflexão para o público comum.

Assim chegamos a ideia de usar em nossa concepção a técnica de Audiodescrição e os sinais com as mãos, a base da LIBRAS. Ambos os recursos assistem as pessoas cegas e surdas, mas também abraçam pessoas com autismos, paralisados cerebrais, síndrome de down, entre outras pessoas especiais.

Para isso, reunimos um elenco disposto a mergulhar nesta pesquisa e uma equipe de pessoas capacitadas na utilização dos recursos de acessibilidade que pretendíamos usar em cena.

E logo de início aprendemos e apreendemos o conceito de que a deficiência não está nas pessoas, mas no ambiente, na informação e nas atitudes de acolhimento não preparados para a diversidade. Quando adaptamos essas três variáveis, a deficiência desaparece.

E com o “É Proibido Miar” esperamos contribuir para a inclusão e a acessibilidade.

Com as apresentações realizadas em 2015 tivemos uma aceitação do público e uma confirmação que esta iniciativa sim, é necessária.

Muito obrigada pelo espaço de troca, agradeço em meu nome e da MA Companhia – teatro, dança e assemelhados. Nos vemos no teatro! Miaaaaauuuuu