#PraTodosVerem: Foto redonda com o desenho de algemas pretas sob um fundo amarelo. Foto ilustrativa. Internet/Reprodução

 

Entender o conceito de deficiência, longe do preceito legislativo, parece fácil, pois o senso comum já avalia pela falta/funcionamento de membros do corpo ou intelecto (se bem que este último faz parte do corpo também).

No entanto, a questão é um pouco mais profunda, pois fatos biológicos, psicológicos e sociais, interferem diretamente no processo inclusivo ou excludente.

Se isolarmos os três começando pelo biológico, falamos de corpo e, principalmente, como esse corpo é interpretado pela sociedade e como as características dele vão dizer o que ele pode ou não pode fazer ou onde ele pode ou não pode estar.

No contexto psicológico temos que separar em dois momentos: o psicológico social, ou seja, como a sociedade nos enxerga, sendo assim, a imagem inicial é de falta, de perda, de castigo, de carma, de coitadismo. A sociedade de modo geral, valoriza o corpo, pois o corpo é a base da construção da identidade brasileira. O segundo momento é o psicológico da pessoa com deficiência, pois desde a sua essência ela é bombardeada com todos esses preceitos sociais, desta forma ela já vem com uma sobrecarga social a mais que as outras pessoas.

Essa carga social é similar ao sofrido pelos negros, LGBTQIAP+… Entre outros grupos diversos que fogem do padrão pré-estabelecido causando medo naqueles que temem a diferença. Já no contexto social engloba-se o todo (pessoas e espaços) e muitas vezes os espaços nos impedem de fazer várias coisas, mas invariavelmente a culpa é nossa que “não nos esforçamos” o suficiente para “superar” a barreira e ser “exemplo de superação” que essa sociedade tanto gosta.

O MEDO

O medo é um sentimento central na discussão social sobre a deficiência. Naturalmente, temos medo do desconhecido, medo daquilo que é diferente, medo daquilo que por alguma maneira nos desconforta.

Soma-se a isso, é preciso lidar com o desconhecimento sobre deficiências, pois ainda impera no imaginário social a ideia de que deficiência e doença são similares, conceito que surgiu no século XVIII e ainda segue vivo, um exemplo mais próximo, é ainda ouvirmos o termo “portador de deficiência” ligado diretamente ao conceito médico, pois normalmente portamos vírus variados, como da gripe entre outros… Mas a deficiência é parte de nós, é o nosso corpo, por isso, não se porta.

Mas voltando ao medo, ele se manifesta de diversas formas, seja no olhar estranho, compadecido, penoso sobre nós na rua, ou sobre o medo de nos contratarem, oferecerem bons salários ou permitir que sejamos referência naquilo que fazemos. Talvez você pense que isso seja outra coisa (são muitas mesmo), mas o medo é a base.

 

A IDENTIFICAÇÃO

Se o desconhecimento gera medo e o medo gera distanciamento, o distanciamento leva a ignorância. E essa ignorância nos colocou em um cenário de exclusão, um cenário secundário. Vide o mercado de trabalho – Mesmo com a Lei de Cotas – somos somente 1% trabalhando formalmente.

Os avanços legislativos, principalmente, a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) somada a Convenção da ONU e outras ações deram visibilidade e respaldo para que nós pessoas com deficiência pudéssemos conseguir o mínimo.

Mas o que quero aqui é focar em identificação de uma maneira mais micro, falar de passe-livre, de carteirinha, de cordão girassol. Essas ferramentas são fundamentais para a garantia de direitos, no entanto, como tudo na esfera social, está permanentemente em transformação, com esses elementos não é diferente.

O passe-livre, por exemplo, quem usa está “preso” ao conceito de laudo comprobatório da deficiência, mas também a um critério que considero absurdo, que é o critério da renda, ou seja, conforme é o teu salário será concedido ou não o benefício. Porém, o que não se considera aqui o fator realmente importante: A gratuidade é uma compensação social a uma série de direitos negados, como acessibilidade.

Desta forma pagar ou não a passagem é irrelevante, pois pagando ou não o ônibus continuará inacessível, ou seja, o critério financeiro passa a ser punitivo, visto que penaliza uma pessoa com deficiência que consegue um bom salário… Novamente a carga social do descrédito ataca, pois para ter um direito/benefício parece que você precisa ser paupérrimo ou incapaz de ascender social/profissional/financeiramente.

Outro ponto importante da identificação são as carteirinhas (principalmente para Autistas) e do Cordão Girassol. Ambos são, por óbvio, instrumentos de identificação para pessoas que possuem deficiência sem características físicas, as ditas não aparentes – tipo eu que Sentado eu Sou Normal – o detalhe aqui é que essas ferramentas que surgiram para ajudar, aos poucos, podem nos prejudicar.

Não podemos delimitar a condição de uma pessoa a um crachá ou um cordão, pois nossa condição é intrínseca a todas essas ferramentas. Ela é parte da gente e não podemos permitir que um objeto externo a valide.

Entendo a importância destes objetos para um processo educativo, mas temo que eles passem a ser mais importante que a nossa palavra, nossa identidade. Deficiência é mais que crachá, cordão, laudo… Estas são apenas ferramentas que ajudam as pessoas entenderem da nossa condição e não servem para nos definir.

O temor aqui é a objetificação, pois assim como aconteceu com o “PCD” pode acontecer o mesmo com essas ferramentas. O termo “PCD” significa Pessoa com Deficiência, ela surgiu com o objetivo de humanizar, pois coloca a pessoa antes de tudo. Só que com o passar do tempo Pessoa com Deficiência se tornou “PCD”, ou seja, tornou-se um objeto (esquecemos a pessoa) e como tudo se transforma constantemente, surge agora o conceito “Pessoa PCD”, pois algum guru do Instagram, disse que só colocando a pessoa na frente da sigla já humaniza e inclui, porém, sem conhecimento cria-se essas obscenidades.

 

CAPITAL SOCIAL

Resumidamente Capital Social diz respeito ao quanto a sociedade confia em si mesma (pessoas nas pessoas) e como isso impacta as relações. Os exemplos citados acima exemplificam o quão baixo é o Capital Social em relação às pessoas com deficiência. No artigo Como a Teoria do Capital Social explica a exclusão das Pessoas com Deficiência – explico as razões destas exclusões com mais profundidade – Porém, ele cabe aqui, porque as pessoas não acreditam na nossa palavra e aí precisam de crachá, cordinha e outras coisas. Elas também não acreditam em nós quando dizem que “não podemos” ter acesso a um benefício por conta de um patamar salarial. Elas não confiam em nós a ponto de nos darem a relevância que merecemos, assim somos historicamente tratados como incapazes ou menos preparados.

Por falar de Capital Social (confiança) estamos “condenados” a seguir com migalhas sociais. Mas quando a ascensão vem, ela está ligada a essas convenções sociais que criam crachás e cordões, mas que não tem disposição para sentar e entender que somos mais que nossa condição, que somos pessoas, que somos livres, inclusive para dizer não a crachás e cordões.