Essa belezura de Guerreira e entrevistada de hoje chama-se Tatiana Rolim, tem 38 anos, mora em Sp, atualmente de volta à sua terra em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, próximo a Jundiaí. Escritora, fundadora da Trinclusão, psicóloga, psicopedagoga, mãe, especialista em saúde coletiva e psicologia hospitalar e da reabilitação, com capacitação em violência familiar, teve duas lesões medular, ou seja, carreira e vida pra mais de uma entrevista, confira:
Qual a sua deficiência? Desde quando você tem essa deficiência?
Na mesma cidade que estou atualmente, sofri um acidente há anos atrás quando era muito comum passeios ciclísticos, ainda é, mas não tanto quanto antes. Num dos passeios em 25 Jan 1995 eu pedalava com uma uma turma de ciclistas, quando um caminhão desviou numa curva de um ciclista e me atropelou. Foi mais ou menos assim. Não lembro ao certo, porque na hora tive uma hemorragia, coma, parada cardíaca e lá vai um monte de historias que tornou-se livros : Meu Andar Sobre Rodas e Maria de Rodas.
Acabei publicando livros , o talento literário da infância tomou conta de mim e deixei acontecer através das experiências que vivi desde o acidente. Tem muitas coisas nos livros.
Como foi sua infância e adolescência?
Minha infância foi maravilhosa, vivi muita coisa boa, brinquei muito e claro pedalei muito durante toda a minha adolescência, até os 17 anos minha vida foi puro movimento. Eu acabei sendo modelo na adolescência, fazia campanhas, e também jogava vôlei pela cidade, participava de campeonatos e amava o que fazia, Nos intervalos pedalava e como toda adolescente, curti a vida, namorava, tinha muitos amigos.Eu era do perfil cdf, estudiosa, amava livros, estudar apesar de odiar matemática, sonhava ser veterinária.Mas com o acidente os planos mudaram e o investimento na carreira me conduziram a especialidade clinica de outro jeito, me formei como psicóloga, psicopedagoga e neuropsicologa.
Qual seu nível de instrução escolar? Fale um pouco de como foi sua vida escolar e acadêmica?
Eu tenho uma longa trajetória história de formação profissional, sou formada em psicologia pela FIG-Faculdade Integradas de Ciências e Letras e Obstetrícia de Guarulhos, pela mesma faculdade fiz pós em Psicopedagogia, depois na USP fiz cursos de especializações , Fiocruz-RJ outra especialização em estudos da Violência e entre eles fiz um programa de Residencia para especialização em Psicologia Hospitalar aplicada á Reabilitação, onde atuei por 10 anos na área. Eu optei pela psicologia logo depois do acidente, quando me vi totalmente dependente e cheia de cicatrizes e sem movimento pra tomar um copo de d’água nos primeiros meses.
Sem desistir da vida , meus sonhos era retomar a minha vida e entre as metas estava voltar estudar. Assim lutei pelo retorno á faculdade.
Acontece que dois meses antes do vestibular eu estava internada, por conta de uma grave complicação por uma ostemielite ( grave infecção que passou da corrente sanguínea para coluna atingindo minha medula, por conta disto tenho duas origens de lesão, sou lesada medular duas vezes), e precisei de internação , novos procedimentos e cirurgia.
Não aceitando perder a prova, negociei com o hospital que permaneceria internada, mas no dia da prova eu queria alta para ir a faculdade fazer o vestibular. Naturalmente comprei uma briga administrativa mas venci e no dia da prova lá estava eu , com soro, medicamento e um enfermeiro para me acompanhar.( eu não fugiria rs) apenas não queria perder mais uma chance de fazer o vestibular, visto que no ano anterior tinha perdido por conta de algo mais grave , o acidente que me deixou paraplégica, termo simpaticamente utilizado nos dias de hoje “cadeirante!”
Qual a sua profissão? Desde quando trabalha? Onde você trabalha? Como se deu sua entrada no mercado de trabalho? Como é sua relação com os demais colegas de trabalho? Enfrentou ou enfrenta dificuldades no trabalho ou no mercado de trabalho?
Da extensa formação, minha vida profissional se resume entre antes e depois do acidente : antes eu era secretaria e trabalhava numa engenharia, iniciei minha carreira no Mc Donalds aos 15 anos e faria tudo de novo!! Joguei bola, fui modelo e estava sonhando com o vestibular. Veio ao acidente e a reformulação profissional.Nao dava para ser veterinária, viajar, estudar longe, investir num estudo e ter um consultório todo adaptado para operar vacas , como eu sonhava.
Então optei pela psicologia e fui para área de grandes especializações, antes da residencia na área, fui operadora de call center numa época que era orgulho ser teleoperador, bons salários. Retomei o trabalho 8 meses depois do acidente, cheguei no INSS quando iam me aposentar por “invalidez” e pedi alta imediatamente. Contrariada com a conduta medica eu acreditava não ser e nem estar inválida muito menos pra sempre! Em posse da alta, busquei empregos quando nem se falava de lei de cotas.
Meu primeiro emprego depois do acidente foi num grande Hospital isralelita, aonde aprendi muitas coisas a começar pelo árduo processo contra o preconceito tínhamos um chefe grosseiro e preconceituoso. Ele colocava o dedo na cara de todo mundo que era deficiente e trabalhava no mesmo setor que eu. Um dia ele veio fazer o mesmo comigo. Advinhe? Grudei no dedo dele. E discutimos.
Dias depois me mandou embora , sem justificativas aproveitando que meu direitor não estava la. Quando o diretor chegou me ligou eu já estava trabalhando em outro local, fui numa reunião que o diretor convocou para esclarecer os fatos, apenas anunciei para assistir as fitas de cftv( câmera de segurança) do departamento.Ele assistiu e tempos depois soube que o tal chefinho foi demitido. Aprendi a duras penas e sai de la preparada para uma sociedade que me mostrou muitas coisas a principal delas de que não podemos abaixar a cabeça, eu já tinha abaixado antes e chorado muitas vezes, ate que um dia passei a enfrentar o adversário exatamente como eu enfrentava nas quadras: para vencer!! Resgatei em mim o poder de acreditar em mim mesma e acredito que todos podem!
Do hospital fui para uma tv, da tv para programa de residência e da residência fui contratada pra trabalhar no centro de reabilitação, que fiz tratamento e trabalhei em campanhas de arrecadação de doações.
Minha atuação na instituição foram de três papéis: paciente quando precisei, voluntária em retribuição com palestras e eventos televisivos e por fim profissional, trabalhando arduamente e com satisfação pela minha escolha para atender pacientes na área da medicina e reabilitação como psicóloga. Tenho orgulho de tudo que vivi e me apliquei para chegar ate onde cheguei.
Sai da instituição 10 anos depois quando percebi meu coração frio, com tantas desgraças que se vê num centro de tratamento e reabiltiação, era como acontece com alguns médicos que nem olham na cara do paciente eu me via quase perto disto um dia e antes que este dia chegasse eu pedi pra sair.
Estava sonhando com o Terceiro Setor, com mega projetos, ideiais, criaitividades a mil para atender estas pessoas que saiam da reabilitação e não tinham oque fazer. E financeiramente minha vida me conduzia para o sustento da família, com uma filha bebe eu buscava o melhor para ela , então juntou tudo: sonhos, desejos e vontade insistente de construir novos projetos.
Neste meio tempo empresas voltaram me chamar para fazer palestras e com isto profissionalizei esta demanda, abrindo uma consultoria para treinamentos e palestras sobre : áreas técnicas, psicologia, qualidade de vida, inclusao, palestras motivacionais,educacionais e outras.
Hoje gerencio meu próprios processos e projetos, vivo um sonho atrás do outro.Um ano e meio depois de muitos esforços chegou a minha parceira, amiga e sócia Fernanda com uma historia de vida incrível!
Para você como é ser mulher com deficiência num país, cujo padrão de beleza é o da barbie ( que é ser magra, alta, peituda, saudável, jovem, loira e ter um corpo “perfeito”)? Você acredita que as pessoas te veem a partir da maneira como você se sente e se percebe? E como você cuida da sua beleza? Enfrenta ou já enfrentou alguma dificuldade para ter acesso a salões de beleza, clínicas de estética etc? Quais?
Nossa quanta coisa , vamos por partes:
Ser mulher nunca foi fácil em qualquer condição , sendo Brasileira , tendo uma imagem poluída de “poposudas” fica pior ainda. Eu fazia parte não das meninas frutas, mas de certa forma tinha o atribuído: andar e rebolar , que num pais como o nosso faz a diferença; Quando me dei conta que tinha perdido tudo isto, sofri horrores, eu não podia ver um anuncio na tv que me feria, ver uma partida de vôlei com as meninas de shortinhos cavados da moda de época remoía meu coração , minha auto-imagem que estava em completa reconstrução depois de um atropelamento por um caminhão. No livro: Meu Andar Sobre Rodas, eu comento sobre esta fase tao dolorida e fase dos aprendizados e interpretação dos olhares da sociedade: de dó, carisma, coitadismo, pena, comoção, admiração, paquera, sedução, indiferença, etc.
Foi uma experiência marcante isto, aprender os olhares e saber como as pessoas me viam sendo uma garota com deficiência, isto me deu a bagagem para hoje ter o amadurecimento dos dias de hoje.
E em especial reconhecer que o aquilo que eu sempre valorizei nas pessoas ao meu redor é o que as pessoas que estão ao meu lado valorizam: CARÁTER, PERSONALIDADE, e isto não tem perna, não tem bunda, não tem rebolado.!!
Assim as relações se constroem nesta base de amadurecimento.E eu não sofro com isto não, já sofri na fase inicial e hoje perto no auge dos 40, somos mulheres mais corajosas, somos leoas .
E quando o assunto é a sexualidade das mulheres com deficiência, ainda existem muitos empecilhos? Quais? Como esses empecilhos podem ser desfeitos?
O primeiro empecilhos para abordar a sexualidade é querer deixar que o tema seja um empecilhos. Estamos vivendo uma fase de muita informação então tudo torna-se fácil e esclarecedor. Minha fase de redescoberta da sexualidade não foi muito fácil.
Eu tinha um namorado quando sofri o acidente , estávamos numa fase quente do relacionamento e ele me fazia mulher, me ensinava, me instruía e me preparava para uma vida sexual adulta. Quando aconteceu o acidente a primeira coisa que achei era que ele me deixaria, como se o sexo fosse o mais importante na nossa vida. Hoje vejo que cada dia mais atraio pessoas que realmente acreditam no que sou e não como sou. Bom,depois deste medo ele me provou numa reconquista que nada disto tinha valor se o amor não imperasse na relação. E aprendemos a fazer a amor pela segunda primeira vez de nossas vidas.
Foi tudo errado no começo é ruim. Eu estava ainda com marcas no corpo, cicatrizes com curativos, cuidados intensos, mas nossos corpos nos pediam e arriscamos. Deu tudo errado! me frustei, ele também, chorei tive vergonha e medo de nunca mais sentir nada como da primeira vez.
Com o tempo fomos treinando e aprendendo a respeitar o corpo, esvaziar a bexiga e o intestino como todo mundo faz diariamente antes de uma relação sexual, é que na vida de um lesado medular isto vira um ritual, em especial para quem usa sonda para técnica de esvaziamento.
Eu nunca usei , mas sei bem como funciona!!
Bom com o tempo aplicamos as técnicas e reaprendemos, retomamos aula de onde ele tinha parado por conta do acidente e me redescobri mulher capaz de dar e sentir prazer.
Naturalmente e infelizmente sem o mesmo orgasmo, por conta de todas as importâncias neurológicas que são necessárias um processo tão complexo como este, mas muito possível de satisfação!
O outro medo depois da retomada sexual era sobre a maternidade, se era possível, se eu ainda era fértil. Na verdade eu mais queria ter certeza de continuar fértil do que ter um filho naquele instante. Fiz os exames e o médico me esclareceu tudo, na mulher a lesão medular não é tao agravante para fertilidade. E anos depois comprovei isto com a gestação da minha princesa que também tornou-se outro livro: Maria de Rodas.
Que recado você deixa para nossos gestores e para a sociedade em geral, incluindo os que visitam a Casadaptada?
Primeiro que delicia poder falar como mulher para tantas pessoas, levar nossa missão de oportunidade de igualdade como cidadãs!! Segundo obrigada pela oportunidade de compartilhar um pouquinho de mim aqui com os visitantes da CASA ( CASADAPTADA) e por fim que nossos gestores do poder público tenham o olhar de igualdade para toda a categoria dos grupo de vulnerabilidade : pessoas com deficiência, pessoas com mobilidade reduzida e todos os que precisam realmente da aplicabilidade das politicas públicas .
E ainda gostaria de deixar um recado caso chegue ate as empresas, que nossa consultoria Trinclusao esta aberta a propostas , interesses e parcerias, disseminando conhecimentos.Visitem nossas paginas.
Abraços Tatiana Rolim